terça-feira, dezembro 28, 2010

Serafim

Luzes na cidade, barulho do caos e a voz humana turbulenta em meus ouvidos. Ao cair da noite me aproximo deles. No alto do prédio, eu os observo. São fascinantes. Criaturas pecadoras, falsas e sem fé. Mas incríveis assim mesmo.
Chego mais próximo. De uma baixa sacada, espreito... Olho e sinto. Eles não podem me ver. Uma intensidade de luz incomum ao redor de um corpo, um tom de pele cobre inexistente para eles, um par de asas atrás das costas e uma brilhante espada. Tamanha imponência e beleza, mas mesmo assim, os pobres olhos não enxergam.
Olhos sem fé, sem pureza; jamais me enxergarão. Jamais!
Há tempos atrás, seria uma loucura o que faço agora. Cometeria o caos, pois muitos me enxergariam. A fé e a paz existiam naquela época; e nelas, o homem acreditava. Por isso, o surgimento de um anjo poderia trazer imensa confusão.
Mas hoje, eu não temo. Infelizmente a fé acabou. Os anjos não mais usam espadas, nem mesmo caçam os demônios. A fé realmente acabou.
Caminho nas ruas e tento sentir o que eles sentem. É estranho pensar que um anjo, entre os homens, caminha. Vejo crianças. Elas se divertem e nada tiraria a atenção delas. A não ser... eu?
Uma criança me observa; olha em meus olhos. Não compreendo. Como ela pode me ver? Ela se aproxima e ignora o jogo. Sem medo ou desconfiança, estende a mão para mim.
- Quer jogar bola moço?
Incapaz de responder, vacilo. Seus olhos insistem e sua mão permanece estendida. Ela me observa e me tira do transe.
- Moço, pra que essa espada?
Continuo calado, inexpressivo... Mas ela realmente estava lá.
- Essas asas são de verdade? Pra que essa corneta?
Por fim, acordo. Abaixo-me e sorrio para ele.
- O que vê em mim? Com o que pareço?
Sua inocente voz descreve:
- Um moço bronzeado. Com armadura, corneta, espada e asas. São de verdade?
- E em meus olhos? O que vê neles?
Meio assustado ele observa.
- Luz. Eu só vejo luz. Que jogar bola moço?Levanto-me feliz e afirmo: - Sim, são asas de verdade! A armadura é para a minha proteção e a espada será a sua proteção. Se minha espada falhar, com a corneta irei chamar por anjos. E com eles, espadas irão te proteger.
- Você é um anjo?
- Mais do que isso, sou um serafim.
- E você quer jogar bola, Serafim?
- Obrigado. Mas irei torcer por você.
O garoto voltou feliz ao jogo. Um serafim ele tinha visto, mesmo sem saber ao certo o que é um serafim. E foi assim que ele voltou, cheio de orgulho e repleto de paz.
Guerreiro, general, serafim. Um dos mais poderosos anjos do reino dos céus. Criaturas de força e fé indiscutíveis.
Desembainhei minha espada e senti revigoração. A luz de meu corpo se intensificou e o som angelical da corneta soou. A fé e a esperança ainda existiam, em poucos, mas estava lá. Ainda havia um motivo, uma razão, para continuar lutando.
Muitos demônios irão perecer! - Pensei. - E jamais irei descer aos humanos novamente. Pois trarei a fé e todos voltarão a me ver. Os anjos serão vistos e suas cornetas serão ouvidas. Jamais desistirei. Todos os demônios eu vou destruir. Pois a esperança eu vi e por ela vou lutar.
Aquele garoto cresceu e hoje escreve essa história. Essa que acabou de ler. Uma vaga lembrança do serafim foi o que lhe restou. Mas dentro dele existe a paz. A paz que alimenta a força. A força que existe em mim!

terça-feira, dezembro 21, 2010

Receita de fim de ano

“Não ferva demais,
e nem de menos.
Controle a temperatura,
rigorosamente.

Tempere a gosto,
o sabor é fundamental.
Tudo precisa de um sabor,
dê o seu toque pessoal.

Use as mãos,
e também os dedos.
Não deixe que outros
façam por você.

Esteja sempre de olho!
Não se arrisque e
coloque tudo a perder,
por falta de atenção.

Tenha paciência.
Saiba esperar.
Essa parte é, sem dúvida,
a mais difícil.

Saiba escolher
o acompanhamento.
Assim como fez
com os ingredientes.

Não coma
antes de agradecer.
Você não fez isso,
sem recursos.

E não coma
sozinho.
Não costuma cair bem.
Espere...

Nada melhor do que:
amigos.
Parentes.
Amores.

E durante a refeição,
Não se esqueça de um detalhe.
Sorria!
Fará toda a diferença.”

terça-feira, dezembro 14, 2010

Meu recomeço

*espero que consigam sentir o mesmo que senti ao escrever esse conto
Tudo parece como nas outras vezes. O mesmo lugar, as mesmas pessoas, as mesmas palavras de incentivo, enfim... Igual. E como todas às vezes, sinto como se hoje fosse um dia especial, diferente. Apesar de todos os dias eu sentir essa mesma sensação e nada de diferente acontecer.
Mas hoje precisa ser um dia diferente, pois é nisso que acredito. É para conquistar um novo passo na vida que acordo todos os dias, repleto de esperança e dedicação. Meu suor é dedicado a esse passo, minha cabeça lateja e a enxaqueca às vezes me faz desistir de tentar. Mas hoje não, pois hoje será um dia diferente.
Os preparativos de sempre são feitos, como se em um ritual. Fazemos os exercícios, alongamos nosso corpo e preparamos nossa cabeça pra aquilo que está por vir. Sabemos que após conquistar o primeiro passo, teremos muitos outros desafios pela frente, mas esse será o começo. Meu recomeço.
O chão é cuidadosamente preparado com um quebra cabeça acolchoado, como se fosse para receber crianças. Ao longo do trajeto – sim, mesmo sem eu ter conquistado nada, o trajeto é montado por completo –, os corrimões são fixados. Visto o meu melhor tênis, pois é com ele que pretendo seguir minha jornada. Religiosamente sou levado ao começo do percurso, e do lado de fora do corrimão, todos se aproximam para assistir. Enfermeiras, médicos, outros pacientes, mas para meus olhos, todos são meus amigos. Todos os dias fazemos isso uns pelos outros. Nós torcemos.
Chega o momento, aciono os freios da cadeira e o silêncio é a única coisa que habita o ambiente. Mesmo assim, posso ouvir o pensamento de muitos. As palavras, os votos de força e confiança. Todos torcem por mim. Todos nós torcemos para aquele que está aqui. Firmo minhas mãos nos apoios da cadeira e com um tremendo esforço consigo me erguer. A próxima etapa é a mais difícil e é onde eu sempre sou derrotado: o momento em que tiro as mãos do apoio da cadeira e tento me apoiar nos corrimões.
Mas hoje é um dia diferente e sei que vou conseguir. Sinto isso todos os dias. O suor escorre de minha testa e sob minhas axilas. Não é calor, é um suor gelado... Mas também não é medo.
Não sei explicar, mas é fruto de uma ansiedade que consome nosso corpo. Minha enfermeira fica bem próxima, mas ela sabe que não deve interferir. Somente quando eu cair ao chão é que ela deve partir para o meu socorro, antes disso, não.
Meus braços tremem, pois jogo sobre eles o peso do meu corpo. Lembro-me dos conselhos que ouço todos os dias. O peso deve ser jogado sobre minhas pernas, são elas que devem me sustentar. Faço isso, e elas tremem mais que meus braços. Divido o peso e preparo para concentrar a força em um dos lados, é o momento de tentar alcançar o corrimão. Meu braço esquerdo e minha perna esquerda são duramente exigidos, é sobre eles que lanço a carga de todo meu corpo. Agilmente solto o suporte da cadeira e lanço-me para o corrimão. Meu braço direito se flexiona, por pouco não cedo ao peso. Fazendo cachoeiras de suor escorrer do meu corpo e usando toda minha força, consigo me restabelecer.
Agora é o momento que costumo falhar – sou canhoto -; meu braço direito não consegue suportar o peso de todo meu corpo. Mas hoje, é um dia especial e sei que vou conseguir. Sinto isso, todos os dias, mesmo depois de falhar. Hoje, vai acontecer!
Ajeito o punho, asseguro-me que o corrimão está firme sob minha mão. Mais uma vez, lembro-me de colocar o peso sobre minhas pernas, são elas que devem me sustentar. Alivio meus braços, jogo meu corpo sobre o lado direito e avanço. Largo o apoio esquerdo da cadeira e me arremesso em busca do corrimão. Aquele momento parece eterno, mas foi a mesma fração de segundo de ontem. No momento em que vejo minha mão se aproximando do corrimão, no instante seguinte ele foge de mim. Meus dedos ficam longe, pois, assim como ontem, meu lado direito não foi capaz de sustentar o peso e cedeu. Meu corpo foi caindo para a direita e só me dei conta quando o baque chegou aos meus ouvidos. O rosto colado no chão macio, aquele ligeiro formigamento nos braços cansados e uma sutil dor no quadril.
A mesma história de ontem. A enfermeira veio ao meu auxilio, erguendo-me do chão. Fui colocado gentilmente na cadeira sob uma enxurrada de perguntas. Sim, eu estava bem, assim como ontem. Os mesmos conselhos, as mesmas palavras de confiança e força. Todos aplaudiram, como todos os dias. Como sempre fazemos diante do esforço e dedicação de cada paciente que se arrisca a dar um passo. O primeiro passo daquilo que será apenas o começo de tudo.
Deito a cabeça no travesseiro e, poucos instantes antes de cair no sono, sinto algo no peito. Sinto a mesma coisa que senti na noite passada... Sinto que amanhã será um dia diferente. Sinto que amanhã, darei o meu primeiro passo...

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Rojão

- Não fui eu!

Gritava o torcedor após a partida ser interrompida por um rojão estourado dentro do campo. Todos em volta o acusavam, o time podia ser penalizado.

- Confessa, seu babaca! Olha a merda que deu!

- Tô dizendo cara! Não fui eu!

- Eu vi você jogando a bomba, seu animal! – Gritava outro torcedor peitando o acusado, enquanto a policia subia a arquibancada, eram mais de vinte deles.

- Você tá maluco! Viu o ...

E Vadinho foi puxado pelo colarinho e arrastado arquibancada abaixo até uma salinha a parte. O jogo pode continuar.

É, esse negócio de agressividade na torcida hoje já não funciona mais. Teu time leva punição, e quem perde no final é a torcida. Mas resta uma dúvida, o que é pior? Apanhar da própria torcida, ou dos policiais?

terça-feira, dezembro 07, 2010

Um sentimento estranho

Eu estava dirigindo meu carro, fazendo o mesmo monótono percurso de sempre. Aquele que fazemos até mesmo se estivermos de olhos fechados. Sabe quando saímos de casa, sistematicamente no mesmo horário e percorremos o trajeto que não passa de uma repetição? Foi isso que estava acontecendo.
Os mesmos semáforos abrindo, os mesmos semáforos fechando. E como todas as vezes, eu xingando pelo fato de ter que parar. As mesmas pessoas que, assim como eu, vivem a mesma rotina, saindo de suas respectivas garagens no exato momento em que eu passo, enfim... uma tremenda mesmice.
Mas eu não estou me queixando, pelo contrário. Gosto disso e os fatores que mudam essa paz no meu trajeto é que me preocupam. Assim como o fato que me ocorreu há alguns meses.
Eu estava dirigindo o meu carro. Fazendo o mesmo monótono percurso de sempre. Quando em um momento de distração, voltei minha atenção para o rádio. Um momento ínfimo, para não dizer nulo. Aquela fração de segundo onde sua vida pode mudar. Uma pessoa atravessou a rua no exato momento em que tirei os olhos dela. Não houve tempo para reações e o impacto foi extremamente violento. O homem foi acertado em cheio, mas ao invés de ter rolado por cima do carro, ele foi derrubado ao chão e as rodas – sim, as duas do lado direito – passaram por sobre seu corpo. Eu senti o solavanco, o impacto. Eu ouvi o barulho do choque, o gemido abafado do ar saindo de seus pulmões quando o carro passou sobre ele. Foi horrível.
Parei poucos metros à frente. Voltei desesperado, tentando inutilmente socorrer aquele homem. Mas ao vê-lo, tive a certeza de que era tarde demais. Seus olhos estavam opacos, fitando o nada; sangue escorria de seu nariz e essa era a parte mais apresentável dele. Seu tronco estava moído, parte de seus órgãos estavam fundidos com o asfalto, deixando um rastro de tecido e sangue por alguns metros. Alguns ossos da costela despontavam pela carne destroçada e não muito distante do seu corpo, um pedaço da coluna podia ser facilmente reconhecido. Seus braços estavam em uma posição desumana, e suas pernas... confesso que nem mesmo consegui identificar onde estavam...
Por outro lado, as minhas pernas tremiam. Meus olhos estavam marejados e minha cabeça só conseguia processar uma única coisa: “Eu matei um cara!”. Peguei o celular três vezes, e três foram as vezes em que o coloquei de volta no bolso. Eu precisava chamar a ambulância, a polícia, a funerária. Sei lá! Mas não tinha coragem. Passava o flash na minha cabeça, onde eu era condenado à prisão como um bandido qualquer, onde tudo o que aconteceu não passava de um acidente. Fiquei alguns segundos vivendo esse conflito mental, até o momento em que me dei conta de que a rua permanecia vazia. As rotinas não foram alteradas. Entrei no carro decidido e parti.
Passei parte do trajeto assustado, culpando-me de cometer um terrível crime. Culpando-me por ter fugido. Eu pensava repetidamente: “Eu matei um cara! Eu matei um cara! Eu matei um cara”. E foi pensando nisso, lembrando do seu corpo destroçado que, em dado momento, eu descobri o que realmente sentia. O sorriso estampou em meus lábios no momento que disse: Eu gostei!.

sábado, dezembro 04, 2010

Do que gosto...

Gosto de bolsos para esconder as mãos.
E gosto do teu colo que afaga minha aflição.
Gosto de xícaras para tomar café.
E das tuas mãos dispostas a me fazer cafuné.

Gosto de rabiscos e traços.
Ainda mais, gosto do carinho dos seus abraços.

E gosto de um pouco de aventura,
Cachoeiras, mar aberto, até o deserto...
Gosto ainda mais de te ter por perto.

Gosto de algumas coisas,
Ou de tudo... um pouco.
Mas é de você que gosto tanto ou mais.
É seu meu encanto...
E é o seu amor que eu quero em paz.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Quem tem olhos e não vê

Coração não sente
O que se vê em frente
Se o ver por ver
For tão raso pra crer
Grande vazio!
Onde passa o rio.
Onde está a compreensão?
Assoreado ribeirão!

Onde está a compreensão?