terça-feira, agosto 30, 2011

Acaso

Não importa se andamos com um pé de coelho no bolso, ou se andamos com uma muda de arruda atrás da orelha. Ou se preferir, um chumaço inteiro.
Você pode ter a mania de acordar e não encostar seu pé esquerdo no chão antes do direito. Fugir de escadas abertas no seu caminho, você é especialista. Os gatos pretos, nem se quer se aproximam de você, o que dizer de cruzar a sua frente, certo?
Um espelho jamais caiu de sua mão, pois esse deve ser o objeto o qual segura com mais cuidado. E em seu bolso (não aquele com o pé de coelho, o outro), você carrega uma pequena figa. Na carteira, um raro trevo de quatro folhas, não é?
Mas que diferença isso vai fazer?
Acredita que os acontecimentos ao redor de sua singela vida serão afetados se alguma dessas superstições não for seguida a regra?
Somos menores do que pensa, logo, isso não o poupará de ter um dia de má sorte. Por outro lado, não somos marionetes que caminham no percurso, já pré-determinado, do destino. Somos maiores do que isso.
Estamos numa tênue média dessas coisas, onde o acaso pode interferir nossa rotina e plantar a má sorte naquele dia, quer você saia de casa ou não. Quer você ande com a arruda na orelha, ou não.
Mas quando isso acontecer, quando o seu dia lhe aborrecer, não resgate da gaveta aquele empoeirado chaveiro de pé de coelho. Ao invés disso, lembre-se que o acaso pode estar jogando a nosso favor. O acaso pode nos livrar de passar por algo pior.
E se por acaso você não acreditar no acaso... Bom, nesse caso eu vou rezar. Rezar pela pobre alma dos inocentes coelhos que, mesmo tendo seus pés consigo o tempo todo, não terão sorte de sobreviver com você a solta.

quinta-feira, agosto 25, 2011

Quem pode parar o vento?

Quem pode parar o vento?
De soprar,
Do movimento,
De amar,
De um sentimento.
De ser livre do tempo.

Permanentemente insatisfeito.
Mente insatisfeita,
Nunca contenta em descansar
Dúvidas que morrem
E se tornam respostas,
Que se tornam dúvidas.
Como o sangue que não pára de vazar

Queria por hora parar,
Viver como na fantasia,
Sem precisar explicar,
Ser, estar, e sempre, sempre sonhar
Até onde esse vento puder me soprar
Erguer as velas, e navegar,

E morrer,
Como se morre uma dúvida.

terça-feira, agosto 23, 2011

Dono da razão

O que é que aquele velho sabe? Ele sempre está se metendo na minha vida. Risc, risc. Já sou um homem maduro, tenho consciência daquilo que estou fazendo e das decisões que estou tomando. Risc, risc. Trabalhei duro para conquistar tudo que tenho e o suor foi meu. Eu decido o que vou fazer. Risc, risc.
Eu vou seguir em frente com meus acordos e meus negócios, tenho certeza que ganharei mais dinheiro do que já tenho e aí jogarei, com orgulho, essa verdade na cara daquele velho. Risc, risc. Aquele encardido só sabe palpitar. Odeio pessoas intrometidas. Risc, risc.
Perdi minha família e meus herdeiros, não tenho que me preocupar com mais nada além de mim. Se eu corro risco, o problema é meu! Risc, risc. Sempre me deito com a consciência tranqüila, mas aquela maldita voz permanece em meus ouvidos. Risc, risc. E pra piorar, aquele velho babão não consegue nem mesmo falar direito. Afinal, quantos dentes sobraram na sua boca? Risc, risc.
O tempo passou e meus negócios não prosperaram como eu imaginei. Não tem coisa pior nesse mundo do que ouvir aquele idiota dizer: “Eu falei!”. Risc, risc. O ancião tinha razão, mas foi pura sorte. As chances eram 50-50. Apostei que daria certo, e o babaca fez questão de me contrariar dizendo que não daria. Risc, risc.
A única propriedade que me restou foi a velha fazenda que pertenceu a ele. Na verdade, acho que foi ele quem construiu essa espelunca que está a ponto de despencar. Risc, risc. Eu nunca odiei tanto uma pessoa como odeio esse velho intrometido. Se existe alguma coisa no mundo que possa trazer azar para alguém, essa coisa é a múmia ambulante que está no quarto ao lado. Risc, risc.
Estou aqui pensando... Sou tão azarado que esse velho, mesmo estando com um pé na cova, vai viver mais do que eu. Risc, risc. Eu poderia mudar isso, sei disso. Mas eu aposto o coração que bate no meu peito que se eu falasse que viveria menos do que ele, o maldito se jogaria do penhasco apenas para ter a razão, como sempre teve. Risc, risc. Ele faria isso e gritaria, “você se enganou de novo!”. Eu não suportaria.
Então, dessa vez eu não deixarei que ele seja o dono da razão. Risc, risc. Pelo menos uma vez em minha vida vou tomar uma decisão que ele não terá como me contrariar e ainda por cima sair com razão. Risc, risc. Hoje, esse velho otário vai ver só. Quem ele pensa que é? Risc, risc. O que é que ele pensa que sabe? Ele não sabe de nada!
Ele pode ser mais experiente, ele pode ter vivido mais tempo do que eu. Pode até mesmo já ter passado por tudo que eu passei e ter aprendido com isso. Risc, risc. Mas isso não lhe dá o direito de palpitar e contrariar minhas decisões. Ainda por cima, teima em estar certo quando me repreende. Risc, risc. Hoje eu acabo com ele.
Passo o dedo pela lâmina. Risc, risc. Sim, está extremamente afiada. Risc, risc. Corto aquela maldita língua junto com suas sempre-certas-decisões. Risc, risc. Aproximo dele e não faço a menor questão em me esconder, a decisão é minha e ele não pode me contrariar. Risc, risc. Hoje, sou eu que tenho a razão. Ele vai morrer.
- Você vai me matar – ele afirmou com a voz calma e cuspida entre as gengivas banguelas.
Aquilo me congelou, paralisou meu sangue e me deixou desconcertado. Maldição! Que velho filho da puta! Eu não posso deixá-lo morrer tendo razão. Risc, risc. Confiro a lâmina e o fio está mais afiado do que nunca. Risc, risc. Penso por alguns instantes e por fim dou uma gargalhada. Risc, risc. Os olhos castigados pela catarata se arregalam ao ver a lâmina passando pelo pescoço em um movimento rápido e decidido.
Minha visão começou a ficar turva, senti o sangue escorrendo pelo extenso corte que fiz, o ar não chegou mais em meus pulmões. Quase não senti dor, pelo contrário, senti a melhor sensação da minha vida. Dessa vez ele não teve razão. Hoje, eu morri com a razão!

quinta-feira, agosto 18, 2011

Aonde Fica a Vida

Aonde fica a vida?
Quando conhecemos alguém,
E o que importa é o passado
Remoído e remexido
Magoado e expelido
Relembrado muito além.
E o que importa é o futuro
Planejado como deve
Com sonhos que se atrevem a dizer
Que já são reais.
Sonhos em cima do muro,
Num cai não cai,
Sem saber se podemos pegá-los
Se podemos suportá-los
Sem o agora.
Agora já virou passado,
E quando não cuidado,
Agora não existe mais.
São os sonhos que escorrem pelos olhos
E caem direto no ralo.
E vão.
É vão.

terça-feira, agosto 16, 2011

Um segundo

O dia está agradável. O ar está poluído, mas essa é minha realidade. Nada para fazer e nada para pensar. Tudo parece estar no devido lugar, como se as coisas tivessem sido planejadas. Sinto-me bem. Sinto-me bem.A cidade consome meu tempo, mas não hoje. Não hoje! Caminho nas ruas e observo o movimento. Não posso perder nada, pois no segundo seguinte tudo estará acabado. Tropeço na rua, gargalho sem motivo. Pareço estar em um roteiro de filme, ou então, animando um quadro pendurado na sala de estar.
Sinto o cheiro do ar, que preenche meus pulmões e alimenta minha alma. E é nesse momento em que planejo desaparecer. Inspiro.Expiro. Um segundo e tudo estará acabado.Abro meus olhos e volto para a dura realidade, nessa maldita cama de hospital!
Então eu lhe pergunto: se esse segundo fosse a sua vida, o que você faria?

terça-feira, agosto 09, 2011

Chata

Sempre vai ter aquele dia, em que levantamos com o pé esquerdo. Vamos abrir os olhos, olhar para o ambiente que nos cerca e sentir que aquele não será um dos melhores dias. Ou então, você levanta com o pé direito mesmo, olha ao redor e não vê nada de errado. Mas os fatos ao longo do dia, o tornam maçantes, insuportáveis e transformam o seu humor.
Existem formas e formas de demonstrar o nosso aborrecimento com o mundo. Alguns preferem se calar, se isolar, ficando distante de tudo e todos. Outros se tornam agressivos e violentos. Mas você não chega a ser nenhum desses casos. Você é o do tipo que fica de testa franzida, e insatisfeita com coisas que, em outro momento, não a fariam ficar. Em momentos como esses, você se irrita com as coisas que não acontecem conforme o esperado, mesmo isso não sendo sua culpa ou de ninguém mais. As palavras precisam ser medidas para não lhe causar mais aborrecimento, ou uma briga desnecessária. Seu pensamento fica distante e as vezes você parece ter partido junto dele.
Por outro lado, você se torna carente. Mesmo medindo as palavras, ainda consigo tirar sarro de você. E é incrível como você fica atraente até com a testa franzida.
Não importa se leva um, dois ou três dias. Não importa quão intenso é o seu aborrecimento. Só existe um fato nisso tudo. Ou melhor, dois. Um deles é que, as vezes, você realmente fica chata. Mas o outro é que, mesmo chata você continua sendo linda.

terça-feira, agosto 02, 2011

O tempo

Eu posso fazer qualquer coisa. Sempre sonhei em voar, ou em poder fazer a luz brilhar em meus olhos. Sempre quis transpassar as paredes, ou provocar arrepios e suspiros nas mulheres que amei. Sempre pensei em ouvir seus segredos, e descobri se havia algo sobre mim.
Sonhei em fazer o bem, em estar do lado certo. Lutando a favor do planeta, fazendo o bem. Sempre o bem. Sempre quis tirar o sofrimento das pessoas, sempre desejei a paz. Hoje, ela é tatuada em meu braço direito. Meu sonho se realizou e sou capaz de livrar o sofrimento das pessoas. Trago a calma e a serenidade.
Sorrio ao ver crianças, e me emociono em ver a luta que muitos fazem a favor do bem. Eles lutam do mesmo lado que eu. São meus irmãos.
Hoje eu vejo dois sóis. O segundo é aquele que brilha dentro do meu peito. O mundo desaba sobre a cabeça de muitos e poucos se esforçam contra isso. Eu tenho a força de toda a humanidade junta, mas eu não consigo suportar o peso de tudo. O mundo cai sobre mim e me sinto tão fraco.
As pessoas passam diante de meus olhos. Elas andam depressa e não reparam em mim. Mesmo eu estando semi-invisível para seus olhos. Os anos passam e as pessoas não percebem isso. Elas esquecem de abraçar seus amigos, seus filhos e esquecem de dizer ‘obrigado’.
O mundo corre e ninguém percebe que o tempo passa. Seus filhos não são mais crianças e seu cachorro não mais verá um novo ano. Aquele telefonema que deixou de dar, pode lhe custar caro. Pode lhe custar muito caro. E por deixar as coisas pra depois, elas lamentam e rogam para o tempo, para que ele volte.
Cultivo toda a bondade e procuro fazer o melhor. Mas minhas asas estão cansadas, não consigo mais voar tão rápido quanto antes. Não sei mais como lidar com isso. Tento estar ao seu lado e lhe soprar as palavras certas para que faça o bem. Mas eu preciso estar ao lado dela, dele, e daquele outro; e daquela outra. Preciso ajudar aquele senhor que não parou de fumar; preciso guiar a mão daquele médico que faz uma delicada cirurgia, mesmo depois de ter perdido o filho em um acidente de carro.
Vejo uma linda árvore e penso em descansar. Mas não posso, pois tenho que salvar aquelas baleias; estão sendo caçadas e exterminadas. Preciso acalmar aquele assaltante, ele pode cometer um assassinato por causa de uma maçã. Mas me sinto cansado, preciso dormir.
Sei que se eu fechar os meus olhos, não os abrirei mais. Mas é preciso. Tudo aquilo que sonhei, conquistei; por tudo que almejei, lutei. Mas não consegui terminar com todos os problemas; o tempo passa e ele não passa apenas para os humanos. Minhas asas estão cansadas e o brilho que eu emitia dos meus olhos, não mais tem a intensidade de antigamente. Existem coisas que nunca irão mudar. E pra essas, eu não posso fazer nada.
Serei substituído, eu sei disso. E fico feliz em saber que outro anjo continuará o meu trabalho. Lamento ter que me entregar à escuridão, adoraria ver o mundo se reerguer. Adoraria ver o homem se tornar àquilo que sempre deixou de ser – um ser humano.
Agora fecho meus olhos e sob uma maravilhosa árvore, descanso; repouso. Fecho meus olhos e deixo livre meu posto. O tempo por mim passou e é a vez de outro continuar o meu trabalho. Deixo para uma outra pessoa, que assim como eu, desejou ser um anjo e desejou fazer o bem. Deixo o tempo para quem deseja fazer a paz. E assim como eu, a carrega em seu corpo.