quarta-feira, março 31, 2010

Olhos da Morte

* apresentando Nine

Olhos grandes, de íris escurecida. Podem arrastar tudo o que respira para seu interior sem fundo. E não há esforços, que sejam feitos para desviar o olhar, se ele me chama. Eu, feito presa hipnotizada, vejo a minha gula antropofágica aumentar. Minhas partes melodiosas descompondo, vomitando vermes das carnificinas, dos medos, das poesias. E os tais olhos, dentro dos meus, vão se agigantando, se prendendo ao que resta de esqueleto sólido, sob a pele fluida. Os olhos da morte em midríase, me carregam de dentro para fora: pelo avesso. Levando minha alma inteira, sem quebrá-la.

A minha alma, miúda no abismo convidativo da morte, sente-se voar, tendo como asas, as mortalhas, e como miragem, as palavras grafadas na testa como epitáfio.

E, como no primeiro instante de consciência, quando indefesa, percebi-me parte de um corpo frágil, senti a escuridão penetrar bem no âmago inflável, como o primeiro ar nos pulmões do recém-nascido.

Nasci para o lado de lá!

___________

Aline de Souza, mais conhecida como Nine, somente.

"Prefiro o apelido, pois fala mais de mim, do que o nome torpe, escolhido por qualquer propósito alheio, e com significado pré-concebido. Não, não tenho relação nenhuma com o nove, nem com o inglês...

Adoro tudo que é infinito, incontável, indizível...

19 anos, estudante por natureza. Faço faculdade de biologia, amo a vida, e a natureza, e tenho um fascínio pela morte. Curiosa, só. [rsrsrs...]"

Blog da Nine: Poemas pelo Avesso

Nine também faz parte do Entre elas, um Amado (assim como nossas amigas de blog, Natacia Araujo e Débora Andrade)

terça-feira, março 30, 2010

Meu caminho

"... primeiramente, gostaria de pedir desculpas pela minha ausência...."


Não tenho casa, muito menos endereço. Desconheço meu nome e minhas origens completam o mistério. Se perguntar quais são os meus anseios, ou meus objetivos... nada lhe direi. Não pense que sou algo inerte neste mundo, incapaz de interagir com aquilo que me cerca, pelo contrário. Ativo, voraz e ansioso eu sou.
Existe um espírito dentro de mim, que me faz seguir em frente, que me faz fazer aquilo que sou suposto a fazer. Se isso me agrada? Não sei. Tanto faz.
Vejo a beleza do mundo, as criações do homem e tudo aquilo que foi feito pelo próprio Criador. Não importa quem tenha feito, ou qual tenha sido o seu propósito, o fato é que, eu vejo beleza em tudo isso. Costumo percorrer o espaço desse mundo, andando, caminhando, algumas vezes, pulando. O ritmo do vento me conduz e alimenta minha alma. Continuo olhando adiante, apreciando a beleza do mundo. Tenho medo de olhar para trás.
O mundo teme minha presença. Mais do que isso, teme minha passagem. É por esse motivo que não costumo olhar para trás, tenho medo daquilo que sou capaz de fazer e tento esquecer isso. Concentro meus pensamentos naquilo que está diante de mim – e é tão belo!
Por mais que eu tente, não consigo esquecer daquele dia. Caminhava lentamente, apreciando a beleza do mundo e do homem, mas uma determinada paisagem me tocou a ponto de se destacar entre as demais. Passei por ela, vendo aquilo bem de perto. Alguns instantes depois, quando eu já tinha deixado aquele lugar para trás, senti saudade. Senti vontade de ver aquela beleza novamente. Ao virar-me, tomei o maior susto que seria capaz de imaginar. A beleza daquele lugar estava destruída, arruinada... inexistia. Atônito, ergui meus olhos para o horizonte e em alguns segundos notei que a destruição daquilo que era belo estava no exato lugar onde eu havia passado. Naquele dia, descobri que, por onde eu passo deixo apenas destruição.
Ainda não sei quem sou, nem por que faço isso, apenas continuo andando, observando e admirando a beleza do mundo. Mas nunca mais olhei para trás, pois sei que minha passagem destrói tudo aquilo que, um dia, já foi belo.

domingo, março 28, 2010

Ilusão nossa de cada poesia

Brindamos nossas palavras e versos
vomitados
berrados
esgoelados
a qualquer custo
como quem brinda um gole inteiro de si mesmo.

É como se as palavras existissem
para nos libertar de nós
mas por vezes
são elas que nos aprisionam a nós mesmos
nos amarram à tentativa infame
de traduzir em algum rascunho de papel amassado
algo que só cabe em nosso pulso acelerado
captado pela menina dos olhos dilatada
e extasiada por um segundo inteiro
o que palavra nenhuma consegue definir.

A verdade das palavras
é a própria ilusão
que damos a elas.

Misturamos nossos sentimentos
com a poesia
e deixamos nascer versos
que parimos de nós
mas não são nossos,
são além de nós
muito além.
E nós nos apoiamos neles
para mentir o que somos
pois somente com a ilusão da expressão
conseguimos desenhar nosso ser em versos livres.

Por Fernanda Tavares

sexta-feira, março 26, 2010

Prece

Pedi para diminuir o vácuo entre nós.
Para ter suas mãos, outra vez, a segurar as minhas.
Pedi que me permitisse, outra vez, falar com Ele como se fosse meu amigo mais íntimo.

Pedi a fé de volta.
A fé é arma de guerrilha.
E a maior guerra é a que travamos com nossos monstros interiores.

Pedi à Ele para que me lembrasse quem sou. Há tempos venho me perguntando isto. O tempo me fez perder a noção. Hoje me pergunto sempre se eu sou realidade ou, ainda, a ilusão do que eu desejo ser.

Pedi para que me usasse em Seu nome. Sempre tive a necessidade de ser útil. Não sei viver se for só para mim.

Pedi proteção e luz aos que amo. Saúde aos enfermos. Paz entre os homens. Amor. Amor, outra vez.

Pedi que ficasse mais. Que ficasse para sempre.
E que me iluminasse com sabedoria para entender que, bondade é diferente de justiça.

Pedi, pedi, pedi. Quase uma hora pedindo.

Então, como antigamente, me repreendeu: - AGRADEÇA. E não me peça o que você mesma pode fazer sozinha.

Foi então que notei: Ele fez as pazes comigo.

quarta-feira, março 24, 2010

Que sexo tem as almas?

De que cor são as almas?
Vermelhas como o sangue ou a paixão...
Ou brancas como nuvens e versos?
Azuis... Amarelas ou cor de terra?

São transparentes como os sentimentos de um poeta apaixonado?
Ou foscas e sombrias como a decepção dos poetas abandonados?

Que sabor tem as almas?
E o cheiro... Aroma de flores do mito fantasmagórico...
Ou o suor de corpos em pecado, se é que esse pecado existe...
Cheiro de morangos ou o odor repugnante de uma cova aberta?

Que toque tem a alma?
Suave com as mãos daquela que me ama?
Ou áspera como a mágoa de quem não me quer mais?
Seus dedos são compridos e finos como a morte...
Ou pequenos e delicados como a vontade de viver?

Que som vem das almas?
Lamentos e sussurros mórbidos... Melancólicos...
Ou a música que você mais gosta de ouvir?
A voz é rouca, feito a de alguém que se despede dos amores...
Ou deliciosamente mansa como a de uma adolescente enamorada?

De que vinho bebe a alma?
Quais as tosses que a afligem numa noite de ventos frios?
Por quais amores sofre? Por quem chora?
O que dança?
Quem a perturba ou a deixa serena?
De que se alimenta em dias como hoje?

Em que alma o poeta se inspira?
Que alma o acaricia enquanto escreve suas brincadeiras em papel?

De quem são as lágrimas que agora escorrem em minhas mãos?
E de quem é o sorriso que finaliza minha estrofe?

Parto...

domingo, março 21, 2010

Indivíduo pático

sujeito este
licencioso
entre pernas e corpos abertos
cigarro aceso
vinho na taça
que abusa da moral
em troca do sexo
oposto ou análogo
mas sempre libertino
onde a labareda pelas paredes
é consumida
em fogo grego
debaixo d’água.

sexta-feira, março 19, 2010

Abóbora

Um dia me disseram que pra viver nem tudo precisava fazer sentido, e desolada, eu acreditei. Lembro das tardes cor de “abóbora” que já passei, lembro dos lugares por onde passeei, e namorei certas imagens que pra mim eram muito mais do que simples miragens.

Decorei algumas delas, assim como alguns versos que sempre gostei de decorar.
Assim como alguns discos de vinil, todos tão viris como as tardes, as miragens, os sons e os versos, me dando “nós cegos”, fingindo-me ver tudo que passava por meus olhos.

Ainda lembro do cheiro de café quente aos 11 anos, do cheiro de café quente aos 15 anos, aos 18 anos, assim como esse cheiro de café que hoje é simplesmente um cheiro de café.
Que saudade de sentir as coisas não fazendo sentido e mesmo assim me sentido completamente repleta, intrínseca, correta, toda, inocente. Inocente pelos meus atos mais sutis.

Hoje os meus maiores motivos de tortura são as fotografias, as cartas, os textos, a miragens, os versos, e o cheiro de café. Gostaria que esse desencaixe dessa vez abrisse uma exceção, e fizesse encaixe, uma única vez na vida. Uma única vez eu gostaria de saber o que vai acontecer amanhã, e depois, e depois de amanhã.

Nostalgia. A sensação é que o sol se escondeu debaixo da minha cama. E quando as coisas ficam assim em p & b, não é tão divertido como quando as coisas estão no tom de “abóbora”. Hoje eu gosto dos tons quentes, e duvido até as pontas dos meus dedos que me adaptarei com as cores frias novamente. É que desde a última vez eu me reinventei, não foi fácil, não vou jogar as coisas pros lados.

Vou arrumar as malas, e mudar de vida.

Claudilene Neves


Claudilene Neves é publicitária, tem 22 anos e tem como paixões a música e a escrita. Nos conhecemos tem pouco tempo e só estreitamos a relação de amizade após a criação da Produtora Cultural Casa de Boneca. E isto tem sido um presente gigante. É inteligente, esperta, sonhadora, gosta de boa música e escreve. (Não poderia passar em branco na minha vida.)

Quer ler mais de Claudilene?

http://atoca-do-coelho.blogspot.com

quinta-feira, março 18, 2010

Árvore Oca

Árvore oca
Madeira tão tosca
Nos nós faz as tocas
De aranhas nas rotas
De raízes marotas

É ali,
Que nascem as sombras
Que cresce o obscuro,
O vazio, e as cobras.

É tão escuro!
É tão vazio!
É tão oco!

Sua falta de conteúdo,
Faz um tremendo barulho
Como o trovão.
Repete e repete e repete,
E distorce e distooorceee

Se o fogo consumisse-a,
Só o fogo,
Não restariam cinzas
Que poderíamos chamar de cinzas

Se a chuva a lavasse,
Nada na água que desce conteria
Nada da árvore.
É seca! E sempre será!

Se ventasse,
Mesmo que fosse um sopro,
Pelos galhos atravessasse,
Arrastá-la-ia o susto.
Mas não falecem folhas ou frutos,
Pois não os possui.

Portanto,
Árvore oca,
Lar de teias e silêncio,
Com minha boca derrubo-a!

quarta-feira, março 17, 2010

Inexplicável

Não estava respirando o ar dos vivos. Me contorcia de dor em meio as sombras amareladas daquela enorme caverna. O calor das lavas parecia não me atingir diretamente. Era como se eu fizesse parte de tudo aquilo.

Ao redor, eu via fotografias em tons avermelhados. Meu passado desenhado com linhas infernais. Imagens distorcidas de alguém que um dia eu aparentava ser. As pessoas pareciam se mover em câmera lenta em volta de meus sonhos desfocados. Nuvens de poeira e pesadelos. Arrependimentos pairavam sobre uma linha tênue que dividia a razão e o auto compadecimento. Em vida nunca fui humano e não seria essa a minha forma real.

Em vida nunca fui ninguém. Apenas um resquício de uma fusão de cores em tons pastéis. Fui tinta em quadros abstratos, fui água suja em rios poluídos. Fui ventos devastadores em vilas desprotegidas. Fui gritos e sussurros de monstros humanos, estupradores e assassinos. Fui a voz dos malditos e os olhos dos pistoleiros.

Nunca sangrei meu próprio vermelho, mas derramei o viscoso líquido dos cadáveres apodrecidos. Nunca chorei minhas próprias lágrimas, mas solvi os horrores líquidos, transparentes e sofridos, das crianças indefesas. Filhos das guerras, filhos das catástrofes... Filhos de putas...

Não sonhei futuros. Não banhei meu corpo nas águas da esperança. Tomei a lama das piores faces. Matei velhos em seus profundos sonos. Me vesti de morte, sem nunca ter sido. Me vesti de anjo, nem nunca tê-los visto. Me vesti de demônio sem nunca respeitá-lo. Sou algo assim... Algo sem forma nem cabimento. Sem força nem discernimento.

No pior buraco do inferno eu me criei, mesmo não acreditando em sua existência. Voei aos céus para amadurecer minha solidão, sem ao menos enxergar a Deus.

Não estava respirando o ar dos vivos...

Nasci da loucura de um escritor. Morri nas mãos da razão e fui enterrado na total falta de sentido de um texto vomitado às escuras. Hoje, e somente hoje, vivi na sua leitura e na sua atenção.

Te vejo por aí.

sexta-feira, março 12, 2010

CONFIANÇA

Qual foi a última vez que você fechou os olhos e deixou alguém te guiar?

Costumava fazer isto quando criança. Geralmente, a pessoa que me guiava era minha irmã mais velha. Brincávamos de “confiança”. Eu fechava os olhos sem medo porque sabia que ela não me levaria a nenhum lugar que eu não fosse amar. Eu tinha a certeza absoluta que ela só queria minha felicidade.

Quando andava de mãos dadas com minha mãe ou meu pai, eu brincava sozinha, mesmo. Fechava os olhinhos e saía a andar. Só às vezes pedia para ir com menos pressa e eles se zangavam: - Abre os olhos, menina! Brinca depois que estamos com pressa.

Posso contar nos dedos o número de pessoas que me deixei levar pelas mãos através da brincadeira “confiança”.
Depois da minha irmã mais velha e dos meus pais, vivi experiência parecida com meu primeiro namorado. Andava sempre de mãos dadas e, como um teste quase misterioso, fechava os olhos e me deixava levar por ele. Eu precisava saber se eu confiava mesmo, já que ele vivia dizer o contrário. E eu confiava. E era bom confiar.

Me lembrando desta brincadeira, recordei o quanto é bom ter em quem confiar. Ainda confio nestas pessoas citadas acima, embora o último não seja mais namorado. Mas, certamente, daria minhas mãos de olhos fechados a cada um deles por saber que só querem meu bem.

E, lembrando desta história, questionei também o motivo de ter tanto tempo que eu não fecho meus olhos e não entrego minhas mãos.
Ai, esta casca, este manto, esta farda de segurança tão frágil e tudo em vão.

Quero brincar de “confiança”. Mesmo que para isto tenha que voltar a ser criança.

domingo, março 07, 2010

Leveza do grito


Amargo é o gosto
no canto do rosto
em relva molhada

tormento sereno
prepara o terreno
com raios de sol

sob impulso
corto meu pulso
de sangue estático

inerte à dama
friamente me chama
com o corpo sangrado

do outro plano
finjo e engano
o silêncio dissimulado.

sexta-feira, março 05, 2010

PONTO FINAL

Estas são nossas últimas linhas.
Chegamos ao fim, sem caminho, sem saída, sem partida.
Apenas o fim doloroso que provaca estas três letras.
Tão farta da mesmice deste dilacerar sem êxito, parei na esquina que cruzam nossos olhares de adeus.
Tão cansada destas mesmas linhas de amor, findo aqui esta história que, até então, não conhecia ponto final.
Toda a tolice de seguir até encontrar tuas mãos e toda esta história de amor eterno, morre sem o sustento da ilusão que não mais alimento.

Morre hoje o que nascia e renascia no calor dos teus braços.

Desta vez, o amanhã já é muito tarde.
Tenho pressa. Tenho sede. Tenho fome. E não tenho medo.
Respiro teus passos no ontem que, por enquanto, é vivo.
Ao hoje resta a dor.
Vou retalhando e sangrando meu peito até não que não reste mais nenhuma gota tua.
Enfim, sou dona de um ponto final.
Começo nova história com o coração ferido, porém, livre.

A minha alma já pode voar novos céus.
Teu azul não mais é meu desejo sublime.
Tuas nuvens tão densas de mistérios,
choveram minhas lágrimas sobre as flores. Espinhos não florescem.
Não tenho mais nada de ti.
Talvez, as lembranças.
Tenho ainda a história que, hoje, mesmo com dor, termino.
Chegou meu ponto final!

quinta-feira, março 04, 2010

Humanidade

Quão complexo e quão simples é o ser humano!
Tão humano demasiado humano!
Tanto mais inocente,
Tão inconsciente!

Belo animal sapiente,
Que como tal, se comporta.
Em si mesmo não se conforta,
Este ser tão inconstante.

Não sabe o que quer,
Não sabe o que faz,
Talvez porque:
Saiba demais!

quarta-feira, março 03, 2010

Sombras de um adeus mal ensaiado

Despede-se um amor
Choro sorrisos embargados
As lágrimas de ontem voltam para o adeus
As lágrimas de hoje secam, proibidas de ser

Despede-se um sonho bom
Afogo mágoas embrulhadas
Uma caixinha de lembranças amassadas
Os papéis rasgados, soltos no vazio de uma briga

Despede-se o beijo macio
Machuco as bocas de um perfeito encaixe
Fotografias de abraços ternos/eternos
As imagens distorcidas, imploradas... por quê?

Despede-se o sexo loucura
Gozo lembranças e respirações ofegantes
O cheiro dos corpos em suor combinado
As mãos que entrelaçaram, não se aplaudem mais

Despede-se a paixão já morta
Envergonho-me das frustradas insistências
As desculpas e perdões molhados
As farpas que dialogaram, caladas no adeus da estupidez

Despede-se a amizade antes eterna
Corto pedaços de promessas cantadas
As palavras cuspidas em momentos impensados
As barreiras do tempo e da distância, soterradas no olhar

Despede-se o último beijo
Visualizo as mãos que se tocaram suadas
As pontas dos dedos, pedindo para voltar
O amor mutante, pedindo agora o desprezo do sentir

Despede-se a tristeza de te ver
Sorrio a liberdade do coração acorrentado
As portas se abrindo, tirando a poeira
As asas brancas, pedindo novos sorrisos

Sombras de um adeus...
Muito mal ensaiado

terça-feira, março 02, 2010

Sonhos

O meu cabelo é sacudido fortemente pelo vento, minha pele fica esticada e meus olhos mal conseguem ficar abertos. Eu não senti medo quando pulei, e em nenhum momento me arrependi de ter pulado. Não acredito que exista alguém nesse mundo que não queira fazer o que eu estou fazendo. No mundo da escuridão, no mundo dos sonhos, nós somos aquilo que nós queremos ser. Não há motivo para ter medo ou arrependimentos. Tudo estará acabado, em breve.
A sensação de liberdade é muito melhor do que eu poderia ter imaginado. Se soubesse disso antes, eu não teria demorado tanto para pular. Nem sempre temos condições de controlar os nossos sonhos, mas quando nos damos conta disso, temos que aproveitar. É preciso ousar, abusar, arriscar. O tempo é curto e a qualquer momento aquele maldito despertador pode tocar e te levar para longe daqui; levar a um mundo onde pular e se atirar não se pode fazer duas vezes.
Aproveito minha chance, aproveito para sentir o vento no meu rosto, a adrenalina sendo produzida em grande escala e sendo carregada por todo o meu corpo. Essa sensação é de excitação total! Não há nada melhor do que isso. O medo existe, mas ele é facilmente vencido. O prazer é maior! Sinto o vento cortando meu rosto, minhas roupas a ponto de rasgar. Eu estou voando e essa sensação é maravilhosa.
O despertador não vai tocar, mas tenho certeza que em breve meu sonho irá acabar. Já consigo avistar o chão e mesmo estando caindo numa velocidade da qual nem mesmo posso imaginar, ele não vêm tão rápido quanto imaginei. Ainda tenho certo tempo, e nesse pouco espaço de tempo, o sorriso se alarga em meu rosto. Essa sensação vai acabar e vou levantar assustado na minha cama. Será que vai haver tempo para mais um sonho como esse? Não teria coisa melhor...
O chão se aproxima, e dessa vez ele está mais rápido. O tempo está acabando. Penso em fechar os meus olhos, mas não... Vou mantê-los abertos até o final. O fim se aproxima e ao chegar eu não sinto muita coisa. Tudo isso ocorre num ínfimo espaço de tempo. Ouço o baque surdo do meu corpo atingindo o chão com violência, ouço o sutil som que sai de minha própria garganta, sinto uma suave e incômoda dor percorrendo pelo meu corpo, vejo o mundo diante de meus olhos escurecer; e antes de perder toda a minha consciência eu consigo pensar: Isso não era um sonho!

segunda-feira, março 01, 2010

Devora-me ou te decifro

Não via mais nada, não ouvia coisa alguma. As palavras da professora nada eram senão ruídos perdidos no vazio daquela sala. Ouvia somente o seu ranger do queixo, contorcer da boca. Ouvia também o salivar da língua, que me fazia pensar em dedos úmidos tamborilando entre pernas trêmulas.
A sala antes cheia era agora vazia e profunda, com as paredes opostas esticando-se num corredor gigantesco. Os alunos eram espectros assexuados. E pensei em como eles eram desatentos, e como ignoravam aquela figura que parecia dançar, nesse palco improvisado. A música ressoava por meus membros, e meus músculos e meu sangue enrijeciam-se.
Agora só precisava atentar em ambos os sentidos; direcionar o cérebro e as pernas para dançarina à frente. Ao seu rosto, especificamente. Vinha-me a mente, com urgência, que eu precisava imediatamente controlar o ímpeto que subia-me o corpo, tremia-me a espinha, agitava o sangue. Eu agora movimentava as pernas, inquietas, que tremulavam tentando inutilmente se sobreporem ao membro que ali nascia, filho do desejo.
Minhas mãos, como se tomadas por vida própria, ansiavam por acariciar sua mais nova cria. Eu suava frio, temendo que os espectros que tenebrosamente adornavam a sala notassem tão incontrolável agitação. Esses imbecís! Desprovidos de visão, julgavam ordinária a luz que ela emanava. Não sabiam aproveitá-la.

Os ruídos vindo daquele rosto eram ensurdecedores. Não restava-me alternativa, já era prisioneiro dos caprichos de seus olhares. Pois eu sabia que escondia por trás de suas expressões distantes de educadora, de seu olhar vago, de suas mãos bêbadas, sabia que por trás de todo esse teatro ela fitava-me e me dilacerava, a começar pelos olhos, seguido do peito inflado, minhas pernas epilépticas, e logo não era mais educadora. Logo, ela sabia de tudo. Sabia que eu a degradava, a lançava em todas as posições pelos cantos da sala, que a humilhava, e ela só sorria. Descobriu meus desejos mais depravados, fazia cara de quem finge que não gosta, mas delira de prazer. Não só sabia lidar com todas as minhas vergonhas e frustrações e medos como me livrava de todos eles, enquanto cedia às minhas mais doentias fantasias. O resto da sala assistia com inveja explodirmos ali mesmo. Ela vinha beijar-me a face, eu a empurrava, às vezes simulando violência, as vezes sem simulacão. Ela pegava meu rijo membro tenramente, eu abria sua boca com os dedos trêmulos e quando estava prestes a colocá-lo lá, eu empurrava brutalmente para dentro, sem esperá-la, sem controle, e com a mão nas costas de sua cabeça, eu controlava os movimentos de vai-e-vem que ela deveria fazer por si só. Ela engasgava, eu não ligava. Quando num lapso me vinha um sentimento de remorso em meu rosto, ela só fazia sorrir. Sim, ela entendia o jogo. E ela ainda desprezava as caras enojadas que todas as outras fizeram comigo em épocas anteriores, após egoistamente despejarem sobre mim seus líquidos em espasmos abafados.
Ela, agora, jogada num canto, suada. Ofegava levemente, seu corpo coberto por diversos fluídos. Humilhada, então pensei que estava prestes a gritar, a enojar-se. E antevi meu corpo antecipar-se numa defesa inconsciente. Mas ela somente sorriu. Levou as costas da mão à boca e eu, deitado, morto, sem força alguma, tive minha visão coberta por seu rosto. E ela tampou meus olhos e beijou-me na boca, no peito e por entre as pernas. Ainda com uma mão me acariciando e a outra sobre minhas pálpebras, sussurrou algo em meus ouvidos, mas tudo que senti foi a leve brisa de suas palavras, suaves, como se vindas da praia ao entardecer, e como tal deixou-me sonolento. Quando dei por mim, ela havia desaparecido, só restando a mulher que não fazia distinção entre os alunos.

Terei agora de viver em meio a esses espectros, essas conchas preenchidas somente por ar, a fitarem o palco feito bonecos sem sangue? A solidão nessa caverna é aterradora. À frente, a representar o papel de educadora, era como se eu assistisse a um um teatro macabro. Olha-se para a platéia e ela não existe. Somente eu em meio a um deserto de cadeiras vazias, a fitar o espetáculo, proferindo berros gulturais silenciosos, que ensurdeciam o mais surdo dos humanos – eu!
Não havia mais sinais ou brechas em sua face que eu pudesse desvendar.
Mas, tudo bem. Ela é meticulosa. Calculista.
Já havia me enganado antes.