terça-feira, dezembro 07, 2010

Um sentimento estranho

Eu estava dirigindo meu carro, fazendo o mesmo monótono percurso de sempre. Aquele que fazemos até mesmo se estivermos de olhos fechados. Sabe quando saímos de casa, sistematicamente no mesmo horário e percorremos o trajeto que não passa de uma repetição? Foi isso que estava acontecendo.
Os mesmos semáforos abrindo, os mesmos semáforos fechando. E como todas as vezes, eu xingando pelo fato de ter que parar. As mesmas pessoas que, assim como eu, vivem a mesma rotina, saindo de suas respectivas garagens no exato momento em que eu passo, enfim... uma tremenda mesmice.
Mas eu não estou me queixando, pelo contrário. Gosto disso e os fatores que mudam essa paz no meu trajeto é que me preocupam. Assim como o fato que me ocorreu há alguns meses.
Eu estava dirigindo o meu carro. Fazendo o mesmo monótono percurso de sempre. Quando em um momento de distração, voltei minha atenção para o rádio. Um momento ínfimo, para não dizer nulo. Aquela fração de segundo onde sua vida pode mudar. Uma pessoa atravessou a rua no exato momento em que tirei os olhos dela. Não houve tempo para reações e o impacto foi extremamente violento. O homem foi acertado em cheio, mas ao invés de ter rolado por cima do carro, ele foi derrubado ao chão e as rodas – sim, as duas do lado direito – passaram por sobre seu corpo. Eu senti o solavanco, o impacto. Eu ouvi o barulho do choque, o gemido abafado do ar saindo de seus pulmões quando o carro passou sobre ele. Foi horrível.
Parei poucos metros à frente. Voltei desesperado, tentando inutilmente socorrer aquele homem. Mas ao vê-lo, tive a certeza de que era tarde demais. Seus olhos estavam opacos, fitando o nada; sangue escorria de seu nariz e essa era a parte mais apresentável dele. Seu tronco estava moído, parte de seus órgãos estavam fundidos com o asfalto, deixando um rastro de tecido e sangue por alguns metros. Alguns ossos da costela despontavam pela carne destroçada e não muito distante do seu corpo, um pedaço da coluna podia ser facilmente reconhecido. Seus braços estavam em uma posição desumana, e suas pernas... confesso que nem mesmo consegui identificar onde estavam...
Por outro lado, as minhas pernas tremiam. Meus olhos estavam marejados e minha cabeça só conseguia processar uma única coisa: “Eu matei um cara!”. Peguei o celular três vezes, e três foram as vezes em que o coloquei de volta no bolso. Eu precisava chamar a ambulância, a polícia, a funerária. Sei lá! Mas não tinha coragem. Passava o flash na minha cabeça, onde eu era condenado à prisão como um bandido qualquer, onde tudo o que aconteceu não passava de um acidente. Fiquei alguns segundos vivendo esse conflito mental, até o momento em que me dei conta de que a rua permanecia vazia. As rotinas não foram alteradas. Entrei no carro decidido e parti.
Passei parte do trajeto assustado, culpando-me de cometer um terrível crime. Culpando-me por ter fugido. Eu pensava repetidamente: “Eu matei um cara! Eu matei um cara! Eu matei um cara”. E foi pensando nisso, lembrando do seu corpo destroçado que, em dado momento, eu descobri o que realmente sentia. O sorriso estampou em meus lábios no momento que disse: Eu gostei!.

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