terça-feira, janeiro 25, 2011

Não precisa procurar

Você age como se estivesse com um mapa na mão. Sentado eu lhe observo e é inevitável não rir. Foram exatos trinta e três passos a sudoeste que precederam outros quinze passos ao leste. Talvez fosse preciso olhar para o horizonte e visualizar a imagem de algo se formando no distante rochedo, pois ficou alguns segundos fitando o nada e em seguida, sorriu. Mais alguns passos e notei que tinha voltado para o ponto de partida.
O cabelo mudou de lado, comprimento e sutilmente de cor também. Suas roupas foram do despojado ao mais lindo e elegante vestido noturno. O rosto com e sem maquiagem, não fez muita diferença para mim; minha opinião já estava formada. Mas mesmo passando por tudo isso, eu continuava achando graça do seu ir e vir.
No alto das árvores, no meio dos arbustos, debaixo de uma grande pedra e até enfiou o rosto dentro da água nessa busca. Confesso que esse último me trouxe lágrimas aos olhos de tanto rir. Você demonstrou ser persistente ao lutar incansavelmente por aquilo que quer. Mas, talvez você seja uma péssima observadora, não pensou nisso ainda?
Poucas vezes a vi descansando. Raras as vezes que a vi desanimando. Porém nunca a vi completamente feliz. É por isso que respeito sua dedicação nessa incansável busca. Todos nós buscamos por algo e temos que seguir nossos sonhos, mas talvez você esteja gastando energia. Pois o “x” do invisível mapa que carrega não requer tamanho esforço, ou incansável procura. Basta relaxar, respirar fundo e escutar o vento. Você só precisa enxergar com a mente e o coração, não com os limitados olhos. E então, você verá que aquilo que procura está mais perto do que imagina. Você vai ver que eu estou aqui, do seu lado.

terça-feira, janeiro 18, 2011

Sorrir?

Caso não seja um bom observador ou caso seus olhos não sejam aguçados o suficiente para notar detalhes sutis, aquelas pessoas passariam alheias a qualquer tipo de comentário. Nada de especial em sua rotina diária chamaria a sua atenção. Mas havia ali algo de diferente.
Faziam seu trabalho, discutiam idéias e resolviam problemas. Faziam compras, levavam os filhos para passear e voltavam para casa. Tudo parecia estar normal se não fosse um pequeno detalhe que se ausentava na expressão de seus rostos ao longo do dia. Eles não sorriam.
Você pode achar que as pessoas não tinham senso de humor ou que a vida delas era triste e lamentável, mas não. Eles possuíam senso de humor – se é que podemos dizer que uma pessoa que não sorri possui isso. Havia ali casas de espetáculo como em qualquer outro lugar e o lugar não era um dos menos freqüentados, pelo contrário. As pessoas faziam filas para ir aos shows de humor, porém não sei explicar... O humor não estava lá. As piadas eram contadas como se fossem notícias trágicas e ao término do espetáculo, o barulho das palmas era ensurdecedor, mas era só isso. Não havia um só riso, gargalhada, ou discreto sorriso. As pessoas não riam.
Esse fato não me foi contado por ninguém, nem muito menos lido num livro. Não é nenhuma lenda ou mito contado por antepassados. Eu vi; eu vivi isso. Eu estava lá. Eu estou aqui!
Se acha que passou por minha cabeça destruir aquele paradigma dando uma boa gargalhada na rua, confesso que sim. Mas apenas nos primeiros momentos. Hoje eu não me atrevo a pensar ou a fazer algo desse tipo. Não vejo motivo para sorrir e mudar esse estranho comportamento.
Eu reparei nas pessoas que chegavam e tinham o mesmo impacto que eu tive ao notar essa peculiaridade. Era visível a angústia e o espanto no rosto dessas pessoas, mas em pouco tempo, é possível perceber que elas já estavam submissas às novas condições e que o sorriso jamais voltaria a aparecer em seus rostos.
Não existe nenhuma lei, não existe uma regra e nenhuma recomendação jamais foi dada. O fato é que as coisas são assim, quer você aceite ou não. Pode ser que esteja feliz, mas em nenhum momento poderá demonstrar isso.
Mas não deixe isso influenciar sua cabeça. Adoraria ver você aqui comigo, não quer experimentar? Estou em um lugar diferente com pessoas e comportamentos diferentes. Aqui, você poderá viver normalmente, mas saiba... Você não encontrará o sorriso; aqui é proibido sorrir.

quinta-feira, janeiro 13, 2011

Voe

Posou suave seus pés no chão.
As asas, então cansadas, doaram o repouso merecido entre todas as penas incompreendidas de um mundo inteiro.

Quis voar o globo terrestre levando a sorte e a graça no bico. Só para semear cor, flor e alegria.
Não assoviava mágoas ou tristezas e o que via era verde esperança sem prazos ou limitações.

Pássaro de asas longas entre cores e vôos altos, amores.
Entre a fé e a força, o suspiro de paz. O desejo de sorte. A ânsia pelo arco-íris depois das bravas tempestades.

Entre as frustrações: os braços que lhe faltavam abraços àqueles que nos olhos habitavam tão semelhante brilho, tão intenso amor.

Amou o mundo. Voou milhas. Semeou a sorte. Cantou a paz. Coloriu o céu.
Hoje, repousa suas penas pesadas só até aliviar.

Agora descansa. E abre as asas. Renova o verde no olhar. E deixa o chão...
O céu sempre foi o seu vício.
Voe, passarinho. Voe!

terça-feira, janeiro 11, 2011

Olha a ventaniaaaaa!

“Tomba pra cá,
tomba para lá.
Fala com pessoas que,
nem sempre estão lá.

Um olho pra esquerda,
o outro pra frente.
Sempre trazendo um sorriso,
mas quase sempre sem dentes.

Arrota e peida.
Coça o saco e xinga.
Se fosse uma planta, eu diria:
“Xi, essa não vinga!“

Conversa com todos,
Não tem vergonha de nada.
Quando não está dormindo,
Está fazendo alguém dar risada.

Alguns sentem pena,
outros fingem não ver.
Mas todos queriam ser pinguços,
Para cair de tanto beber...”

segunda-feira, janeiro 10, 2011

A menina


A menina ao ler no jornal que as pessoas devem abdicar do tempo que dedicam à internet e usá-lo para interação familiar começa a desconfiar dos jornais e da mídia como sendo veículos que transmitem informações mas não se preocupam muito em contextualizar o assunto e possibilitar a melhor interpretação para além dos fatos narrados. A manchete espalhafatosa ALIENAÇÃO CAUSA DEPRESSÃO E RECLUSÃO com esses ãos gigantescos e pesados provoca na menina uma pequena reflexão e a faz pensar que gostaria de perguntar ao jornalista o que ela, isto é, a menina, supostamente deve fazer quando se quer ter uma interação familiar mas não dá pois a família é uma família talvez horrorosa que a deixara de lado desde a infância. Não insurge nela, na menina, nenhum grito revolucionário contra a manipulação da mídia, pois ingressou recentemente e um tanto prematuramente na vida adulta mesmo mantendo certas imaturidades, mas sim um extremo incômodo, uma depressão, uma falta de perspectiva de vida, e no final a única eficácia da manchete de jornal é deixá-la mais pra baixo ainda. Se a interação familiar é melhor que a alienação causada pela internet, e ela, a menina, não pode interagir com a família pelo simples fato da família recusar a presença da filha e só deixá-la morar lá por questões legais e por um mui discutível e hipotético peso na consciência ao vislumbrar cenas imaginárias da filha sendo encontrada morta de fome e frio na sargeta perto da casa - então o que fazer? Como mostrar para a menina que há vida além do inferno cíclico familiar em que ela se encontra presa, que aprisiona ao redor de um eixo toda a sua existência. Ela tem que estudar mas não consegue pois a mãe a repreende e diz que estudar é idiota, ela tem que trabalhar mas não tem apoio nem sabe por onde começar, ela tem amigos mas que dizem clandestinamente que não adianta nada ela ficar chorando pois precisa fazer algo, mas essas palavras são vazias pois são só palavras que não trazem em si o real significado da prisão e do ambiente de extrema hostilidade em que ela cresceu e moldou seua mente e seus atos ao longo dos anos e enxergar fora dessas cercas só a afunda mais na depressão aparentemente infinita. Como apontar com o dedo uma saída que para nós parece tão simples e fácil como erguer um dedo e dizer faça isso vá pra lá que tudo vai ficar bem, sendo que esse “isso” e esse “lá” requerem uma quantidade inimaginável de coragem e força de vontade tais que a menina nunca antes aprendeu. Como apreender todo o significado de todos esses problemas em uma peça narrativa constituída de um grande parágrafo que tem como objetivo a tentativa de fazer a menina expandir sua mente e sua capacidade de ver e interpretar as coisas por si só através de um processo de identificação com uma personagem que foi construído de modo a ter os mesmos problemas que ela e cujo objetivo máximo é oferecer um vislumbre do problema todo e tentar criar uma epifania momentânea, um estalo, um clique fulgaz que será o primeiro e mais difícil passo para ela tentar andar sozinha?

terça-feira, janeiro 04, 2011

Pés descalços

Suas roupas eram imundas. Se é que aquele amontoado de trapo poderia ser chamado de roupa, pois mais pareciam retalhos juntados e grosseiramente costurados. As cores não combinavam e os tamanhos variavam, assim como o tipo de cada tecido. Mas é o mais próximo de uma roupa que ele tinha.
Os dentes, ou melhor, os poucos que sobraram, dariam um tremendo trabalho para um dentista, ou trariam uma grande fortuna àquele que fosse fazer-lhe uma prótese. Era lamentável, mas não dispunha de recursos para fazer sua higiene pessoal.
Talvez tenha dormido sobre um lugar chamado: casa; pois o seu lar era qualquer canto. Na hora que o sono batia, ele se preocupava com isso. O seu teto era a imensidão azul do céu.
Já não sentia fome, pois passava tanto tempo sem alimento no estômago, que seu corpo já estava acostumado a viver sem a comida. E quando encontrava algo, estava longe de ser uma refeição digna de um homem.
Sua pele era castigada pelo tempo e pela vida, não aparentava a idade que tinha. Seus recursos e inteligência disponíveis não são o suficiente para preencher um espaço na sociedade. Mas mesmo assim, ele estava lá... Existindo.
Naquele momento em que eu o vi, ele não estava roubando, nem mesmo matando. Não posso afirmar se ele fez ou deixou de fazer alguma dessas coisas. Ele estava sonhando, instantes antes de ser escorraçado pelo comerciante da loja.
Suas mãos faziam o formato de concha ao redor dos olhos para evitar o reflexo do vidro. Parecia um espantalho, tamanha era a sua aparência rústica e deplorável. Com o rosto colado no vidro da loja, ele sonhava. Alheio a qualquer outra coisa do mundo, até mesmo a um prato de comida, aquele homem sonhava.
Sonhava em ser reconhecido pelo mundo. Talvez, sonhava em recuperar parte da dignidade que lhe fora roubada ao longo dos anos. Acho que aquele homem buscava algo naquele momento e não era matar a fome, e nem mesmo melhorar a sua aparência. Hipnotizado pela vitrine de uma loja de sapatos, aquele homem descalço não queria nada além de voltar a ser aquilo que sempre foi... um homem.
Mas o instante passou e a vassoura desceu forte sobre seu corpo. O gesto brutal trouxe-me dos pensamentos, assim como trouxe aquele pobre homem à dura realidade em que ele se enquadrava: a de um animal.