sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Noite de Festa

Eu e minhas tias estávamos na sala, daquele décimo sei lá qual andar. As crianças pequenas, todos primos, brincavam correndo pelo apartamento. Minhas tias conversavam. Mas eu nem conversava, muito menos corria com meus primos. Era como um observador.

Observava as tias conversando apenas e não percebi o sumiço das crianças. A menina de uns 3 anos e o menino de 2 anos no máximo. Eles reapareceram, porém lá na esquina, olhando-se da janela. Minha espinha gelou. Era de noite, e as ruas vazias gradeadas por prédios antigos e sombrios davam um ar de terror. Gritei e apontei para as crianças e minhas tias não ouviam. Não queriam me dar atenção.

Até que outra tia me ouviu, e sem muito se importar desceu para buscá-las. Mas enquanto pegava na mão do menino e o punha no colo, uma moto parou na frente e pegou a menina. Fugiu. Por um momento não sabia o que fazer. Até que decidi ir atrás. Corri e acompanhei o percurso da moto que não parou longe. Eu gritei por todo o caminho, cansado e com medo.

Até que chegamos a um pátio de fábrica onde uma gangue fazia uma volta e me esperavam. Pedi a criança e eles não deram. Mas não lembro como, me joguei para cima deles e bati até pegar a menina e correr dali. Corri muito e eles me perseguiram.

* * *

Estava no mesmo apartamento, agora apenas as crianças. Quando meus pais chegaram, juntamente com os casais de tios. Parecia-me ser natal, mas nenhum deles tinha cara boa. Cada casal foi para um quarto, e nós ficamos na sala nos olhando e pensando o que havia acontecido. Até que decidi ir ter com meus pais. Eles estavam cada um num lado do quarto de rostos sérios.

- O que houve? – Perguntei.

Responderam que não houve nada, secamente.

- Mas vocês estão bem um com o outro? – Insisti.

Eles se olharam, e em seguida minha mãe olhou para o chão e disse:

- Vá com seus primos. Depois conversamos.

Voltei para a sala, e devo ter acordado.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Adeus Amor

Enquanto existiu,
sempre foi esperança
Enquanto residiu no peito,
sempre foi sorriso acarinhado

Adeus amor
Sentimento desgraçado, sem graça, sem lado

Enquanto remoia lembranças,
chupava os olhos
Enquanto se disfarçava de amizade,
bebia suspiros enjaulados

Adeus amor
Sentimento reverso, sem ver, sem verso

Enquanto tentava elogiar,
morria na frieza
Enquanto tentava discutir,
esbarrava na intolerância

Adeus amor
Sentimento natimorto, sem ela, agora morto

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Espaço entre nós

Por que me olha desse jeito? Seu olhar inquisidor me fita como se buscasse dissecar minha alma, perguntando quem sou e o que faço próximo de você. Seu rosto é doce, mas seu olhar questiona minha presença.
Seu sorriso frio me persegue pelos corredores, sussurrando em meus ouvidos e perguntando o que estou fazendo. Questiona-me como se eu estivesse desinteressado, sendo apenas educado com você.
Sua voz congela minha espinha, tirando todo calor do meu corpo e tomando-o para si. Ela vibra e varia entre os tons mais graves e mais agudos. Seus extremos cantam a canção que pede para que eu mude, reinvente, melhore. Mas do quê?
Seu toque não traz mais amor, afastando e repelindo qualquer necessidade de sentir sua pele. Espanta os mais modestos desejos que eu possa ter.
Todas as manhãs eu vejo a parte central da cama, impecavelmente inalterada. Nenhum dos dois se atreveu a invadir o espaço do outro. Espaço que fica escondido entre nós. Entre nossos corpos, entre nossas mentes, oculto, esperando a chance de sumir, desaparecer.
O espaço entre nós, que aguarda ansiosamente para que nossas mãos se encontrem, nossos olhos se encarem, nosso sorriso ilumine o ambiente e que nossa pele se banhe em suor. E quando isso acontecer, não haverá mais espaço entre nós.

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Conselho-fábula sobre a presunção e o orgulho

Oras, quão idiota é você, que não é demolidor de suas próprias opiniões? Se ao longo dos anos ergueste e te equilibraste em teus alicerceres e cercanias de impressões, de que adiantarão quando a tempestade dos anos passar e corroê-las por dentro, se não liberares o cerco para destruí-las você mesmo? Ou ao menos reestruturá-las?



Então chegue aos sessenta anos travestido de um arquiteto velho e obsoleto, morando em uma palácio tomado pelo lodo. E esperes a primeira visita dizer-te o quê tanto esperaste, e para quê tanto te preparaste, e não sendo o que pensaste, atentará contra teu palácio e - finalmente!, poderás alegar Permanência de Patrimônio Histórico.

Poderás também, depois da tua casa, à tua imagem e semelhança travestir o mundo além do quintal, e nada, absolutamente nada mais soará desconhecido.

Com o medo, desaparecerá toda e qualquer possibilidade de epifania. Não mais te maravilharás. O mundo será teu espelho, como o mármore de teu palácio. Teu rosto sisudo adornará tuas paredes de dentro, e as ervas-daninhas as de fora. Morrerás fitando tua própria imagem a queimar tuas retinas.

***

Pois então: aproveites a juventude e esfrega-te os olhos, pequeno adulto. E torna-te velho, observando o mundo ainda como criança.




(PS: Perdoem a minha ausência. A faculdade e os serviços ruins de internet não andam me permitindo postar)

domingo, fevereiro 21, 2010

Dança da solidão

de novo
na mesma dança-solidão
só que agora
é samba
cuíca e tamborim
puxando a entrada
enquanto meu cavaco
já sem corda
encerra o enredo
carnaval

sexta-feira, fevereiro 19, 2010

O Vão

Entre o passado, o presente e o futuro há o espaço. Há um vão onde a dor se esconde.

E o passado bateu, mais uma vez, na mesma porta.
Deixou entrar pela fresta. E a dor inundou todo o quarto.
Não há um único espaço que não há olhos molhados.
Remexeu todos os armários e quase nada mais lhe cai bem.
Foi um bom tempo engordando e emagrecendo de solidão.

Perdida. E sem caminhos à frente.
Apenas um único vão onde se esconde da vergonha de se sentir só.
Perplexa. Diante do gigante ego que amedronta, que expele o orgulho e a vaidade que nunca espera não ser correspondida.

Fala. Fala mais. Fala só para ela.
As palavras nunca tiveram muito efeito sobre ele.
Escreveu mil poemas e nenhum penetrou este coração que não mais a pertence.
É de outra, é do mundo.

Nada o entorpece vindo dela.
Nada o encanta.
Nada a enobrece.

Pobre menina.
Junte todas suas letras, seus passos de dança e sua melodia mais triste e faça arte.
O vão entre uma vida e outra é o mesmo entre passado e futuro.
Então, não espere saber o que fazer com estes passos pesados, inundados de saudade e solidão. Este presente imerso em dor do passado, passa.

Menina, moça, mulher.
Segure as lágrimas.
Suporte a dor.
Siga, sinta, não se perca, amor.

O passado vai embora.
E logo chega a brisa da saudade,
com as trovoadas de dor.

Mas o futuro sempre será amanhã.

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Uma poesia sem fim

Tentou encontrar palavras que estivessem à altura das que foram ditas a ele. Poderia tê-las encontrado se tentasse um pouco mais. Mas então se lembrou que ela citou a simplicidade de suas palavras e resolveu ser ele mesmo. Sem medo de errar, sem medo de ir além do que talvez pudesse ir. Soube de alguma maneira, que se acaso ultrapassasse alguma barreira, ela o perdoaria.

Mas talvez ainda sob o efeito do êxtase causado pelo desejo que ela pintou em sua tela, ainda não se sentia à vontade para lhe dizer o quanto ele também a desejava. Talvez por existir ainda um pouco de receio, não saberia explicar porque ficou olhando sua foto por minutos seguidos, imaginando o toque de cada centímetro daqueles lábios feitos de carne e sonhos, invadindo seu corpo.

Não saberia dizer a ela, que a vontade de sentir o gosto e o cheiro era comum aos dois. Não encontrou palavras para contar que a imaginara nua em sua cama, toda preguiçosa, deixando que cada curva de seu corpo fosse tocada por ele, num misto de carinho e provocação.

E no início da madrugada sentiu vontade de beijá-la. De tê-la em seus braços ao menos uma vez, como ela assim também o desejou. E no início da madrugada, ele não desejou transar, pois transar soava vulgar. Também não desejou fazer amor, pois o amor ainda não lhes fora apresentado e não saberiam se assim seria. Então lhe restou pedir a ela, que unissem seus corpos, bocas e desejos. E juntos, ao invés de amor, fizessem poesia. No lugar de estrofes, orgasmos. No lugar de rimas, o suor e o prazer.

Uma poesia sem fim.

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Elemento da Escuridão

(Esse texto, faz parte de um trabalho pessoal em andamento que se chama: Elementos da Escuridão - As crônicas do fim do mundo)

Seu cabelo era castanho escuro e podia ser facilmente confundido com preto. Um olhar atento afirmaria que era liso, porém estava tão sujo e desgrenhado que não passava tal impressão. Suas unhas tamborilavam impacientemente na mesa, enquanto sua outra mão fazia o repetitivo movimento de levar e buscar o cigarro dos lábios. A fumaça que baforava era roxa. Vestia um jeans e uma blusinha verde decotada, bastante casual, mas o suficiente para atrair olhares. Não estava procurando um namorado, mas uma boa noitada poderia ajudar a tirar a tensão do dia.
Um jovem de camisa azul não tirava os olhos dela. Sua gravata frouxa no pescoço mostrava que era um jovem promissor na carreira do empreendimento. Ou era isso, ou estaria usando roupas pretas e traços de quem usava e traficava drogas; as duas únicas formas de ser alguém bem sucedido, caso contrário, seria um ordinário qualquer como a maioria. Estava criando coragem, pois havia um outro cara que também demonstrava interesse na mulher e sua aparência não era das mais agradáveis. Não estava interessado em sair com um rasgo na barriga e nem um buraco no peito, daria alguns minutos para o concorrente. Se ele não agisse, o caminho estaria livre.
O tempo passou, foi generoso com o concorrente e seria mais ainda se uma briga na mesa ao lado não tivesse atraído mais atenção do mal encarado; a investida na jovem morena foi esquecida. Agora sim, o caminho estava realmente livre para o jovem engravatado, que se levantou, foi até a mesa dela e gesticulou para o barman trazer uma cerveja para os dois.
Ela olhou sem espanto para o rapaz da camisa azul, mas antes que qualquer palavra fosse dita teve que se curvar levando a mão em direção à boca para tossir. Já estava sendo acompanhada pela tosse há certo tempo. Convenceu-se a ir ao médico, mas se soubesse que ouviria um conselho que até mesmo seu pai seria capaz de dar, do tipo “se continuar fumando, vai morrer logo”, não teria gasto seu tempo e seu dinheiro. Enquanto tossia, o rapaz aguardava para começar uma conversa.
Entrou no bar sem ser visto. Vestia um terno cinza coberto de poeira, porém a camisa preta estava impecavelmente limpa. Assim como o jovem da camisa azul, sua gravata vermelha estava com um nó desleixado. Seus pés estavam descalços e por trás dos ombros um par de asas repousava. Seus olhos eram negros como a noite, mas ninguém podia vê-lo. Parou no meio do bar olhando para os lados e exibiu um triunfante sorriso. Passou a mão nos cabelos grisalhos que já estavam bagunçados e pensou: Como eu adoro o meu trabalho!
Sempre havia animação e agitação quando uma briga acontecia. Todos gostavam desse tipo de entretenimento. Porém quando uma briga qualquer terminava com morte, alguns se espantavam e se afastavam do ambiente. Para uns, lidar com a morte era coisa do cotidiano, mas para outros, nem sempre era agradável. Isso acontecia com os indefesos. Dessa vez, aquela briga que atraiu a atenção do cara mal encarado não terminou em morte, mas ele veio mesmo assim; esse tipo de morte chocava até aqueles que lidavam com ela – por apenas alguns minutos, mas chocava.
O rapaz começou a gritar por socorro, chamando por algum médico ou o mais próximo disso. O rosto da jovem morena estava roxo, mesma cor da fumaça de seu cigarro. Não adiantou bater em suas costas, dar-lhe água ou qualquer outra coisa. Sua garganta tinha se fechado e não abriria mais.
Alguns segundos depois Thanatos saiu arrastando a jovem fumante pelo braço. Ele transpassou a parede do bar com ela, deixando para trás um bando de pessoas que se amontoavam ao redor do corpo sem vida da garota que estava prestes a ser conquistada pelo jovem de camisa azul.

domingo, fevereiro 14, 2010

Sobre a morte


a morte
não escolhe dia
tampouco hora

só escolhe o sujeito
que em estado de graça
ou não
ajoelha-se e reza

ela vem como uma dama
sem piedade
leva quem menos se espera

agora?
como num tango
a dama desliza e delira
o sujeito à frente.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Analogia entre Pessoas e Livros

Livros de Contos, Ensaios, Crônicas, Romances, Científicos, de Bolsos ou, até, Enciclopédias: certamente, todo mundo conhece alguém que caiba em uma destas categorias aqui.

Assim como os livros existem pessoas que precisamos apenas "provar". Uma leitura e parece tudo, sinteticamente, absorvido e sentido.
Existem outras que precisamos devorar, ler mais de vinte vezes, destacando os pontos mais complexos e buscando uma compreensão maior, um entendimento que não se satisfaz em uma leitura única. É preciso mais atenção e dedicação para a compreensão de cada frase.
Há, ainda, os poucos que são indispensáveis. Estes livros (leia-se pessoas) a gente gosta mesmo é de ler, devorar, mastigar até digerir. Geralmente são os que nos consome um tempo maior e entendê-los é quase um exercício de entendermos a nós mesmos. São complexos e, por vezes, quase desistimos de chegar ao final. Porém, não há como negar! Sem nenhuma dúvida, serão estes livros que recordaremos suas frases e suas lições sem grandes esforços.

“Minha vida é um livro aberto”, alguns exclamam e potencializam esta analogia. Livros fechados nós só lemos a capa. Não conseguimos chegar nem no prefácio.
Mas, pensando por outro lado, nada vai adiantar um livro aberto se suas páginas estiverem escritas em hebraico.

Eu só sei ler em português.

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Melodias do que não vejo

Deslizo por entre as pernas da juventude
A idade não é mais meu corpo
A troca é intensa e faminta por mais verdades

É justa a sobreposição de cores
Do azul ao negro, o amarelo que vi em tuas palavras
São todas e nenhuma delas

Rasgar o verbo mudou de sentido
É coragem vivida de suportar a dor
Nas pontas dos dedos as verdades surgem
Ainda vejo o sentimento latente
Não precisa de disfarces, é menina

Véu transparente, nítidas paisagens
As bocas não se enxergam, olhos não se tocam
Mas flui a ressonancia do sentir

De valsas e melodias faço meu baile
Os braços não dançam... ainda

E sigo deslizando

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Vampiro sofredor

Sempre fui uma criatura da noite. Filho da escuridão, também conhecido como Solidão. Meus olhos não mais enxergam como antigamente, minha sede nunca mais se calou. Nunca fui capaz de matar, nem mesmo de fazer o mal. Não sou filho da maldade, sou filho da escuridão. Meu nome é Solidão.
Saio pela noite em busca de uma vítima, em busca de uma companhia. Saio na caça da mulher que preciso para poder mudar de nome. Quem sabe deixo de ser filho da escuridão e não me torne um filho da luz?
Ela sempre está no mesmo lugar e sempre foi minha amiga. Mas no momento em que devo atacar, torno-me fraco. Fico encantado, extasiado e não consigo fazer nada, além de amá-la em segredo. Há tempos eu convivo com esse problema e não consigo fazer nada para superá-lo.
Talvez ela carregue um crucifixo no peito, ou talvez o seu olhar me lembre o brilho do sol. A única coisa que posso dizer, é que ela possui algo que me impede de prosseguir, algo que me deixa fraco, só, e me faz lembrar o meu nome. Meu nome é Solidão, filho da escuridão.
Suas palavras, seu olhar, seu sorriso. Não paro de pensar em diferentes formas de atacar. Posso ser agressivo, posso ser surpreendente, posso ser carinhoso, mas não importa o jeito que eu planeje, no momento do ataque sei que irei fraquejar. Não compreendo isso, eu sou filho da escuridão e não da fraqueza. Não sou filho do sofrimento, então por que sofro tanto?
Eu caminho pelas noites escuras, ando só pelas ruas da cidade. As lágrimas brotam de meus olhos e sinto o medo dominando meu corpo. Ouço a música que ela gosta e não consigo raciocinar em paz.
Busco por uma ajuda, ou por uma resposta. Clamo pela escuridão, rogo para as estrelas, mas nada obtenho como resposta. Nada! Ouço sua voz, mas a minha parece não chegar aos seus ouvidos. O mundo cai sobre minha cabeça, meu rosto se torna cada dia mais pálido, e as lágrimas que eram rotineiras, tornaram-se hábito.
Não me alimento mais, não sorrio mais. Deixo de ser filho da escuridão para me tornar filho da dor. Meu nome é Sofredor. Sinto a cabeça latejando e a dor corroendo meu peito. Já se passaram anos e não consegui progredir nesse secreto amor.
Resolvo desistir da minha presa, abandonar a caça. Dirijo o meu carro para longe, onde ninguém possa me encontrar. A noite está perfeita, as estrelas me observavam e a lua sorri diante de minha desgraça. Meus dedos se enterram na terra úmida e cavei até minha mão sangrar.
Deitei em meu túmulo e com dificuldade me enterrei. A princípio o desconforto tomou conta de meu corpo. Eu queria chorar, espernear, gritar por seu nome, mas me controlei. Minha mente se acalmou e sua imagem começou a abandonar minha cabeça. Deixei de ouvir sua voz, e não mais vi seu sorriso em minha mente. Não me senti completo, mas me senti satisfeito. Consegui resolver parte de meus problemas.
Mas foi só quando o véu da morte cobriu meus olhos que percebi que meu nome é Sofredor, filho da dor, e que nunca fui um vampiro.

domingo, fevereiro 07, 2010

Eterno Mutante

aqueles abraços
de gosto terno
e eterno
com o cheiro da gota
que corre
e escorre
no verde da grama
em dias de chuva

aqueles sorrisos
pintados à mão
onde nenhum artista
consegue expressar
a beleza subjetiva
contida

aqueles olhares
de menina
que com ternura
e encanto
me transformam em outro

outra coisa além de mim
ou melhor de mim.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Alma Rasgada

Alma Rasgada


Rasgue a alma.
Feche os olhos.
Me dê as mãos.
Chegue mais perto.
Sinta o calor.
Sinta este respirar sem pudor.
Abra o peito e mostre-me a dor.

Rasgue a alma.
Pulse o peito.
Respire meu jeito.
Queima minha pele.
No susto, me revele.
Me dê medo.

Rasgue a alma,
A minha roupa.
Me deixa louca.
Me morda a boca.
Toque minha alma.
Não precisa ter calma.


Rasgue...
Me retalhe no teu amanhã.
Grave pedaços de mim no teu gosto.
Explore meu corpo.
E me tenha medo.
Desassossego.
Desapego.

Rasgue a alma...
Rabisque os desejos.
Perpetue os sons no meu colo.
Mas, amanhã...

Lave o rosto.
Vista minhas letras.
Mas, me esqueça.

Já vou ter tudo de ti.
E o que há de mim,
Não cabe na alma rasgada.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

De quando você pisou no acelerador

Não me pergunte onde era!

Mas você morava naquele lugar estranho. Uma casa cheia de portas e escadas para cima e para baixo. E a porta de entrada dava direto para a rua. E a rua era de paralelepípedos. Para se chegar ao seu quarto tinha de se passar por diversos corredores, subidas e descidas. O piso era de madeira antiga e as paredes de pintura descascando.

Naquele dia você entrou apressado e eu te segui. Percorremos a casa até o seu quarto. Você entrou e pediu que escondesse a porta com uma estante de livros. Enquanto você fazia não sei o que dentro do quarto, me ocupei de puxar a estante para tapar a porta.

* * *


Você saiu apressado. Eu corria atrás. Você dizia que não tínhamos tempo, que era pra eu ir rápido. Abriu a porta da rua e lá fora conversando estavam três pessoas estranhas que moravam com você. Um de azul, outro de branco, e o outro de branco e dourado. Passamos por eles como se não existissem.

O jipe antigo nos aguardava. No banco de trás estavam meu tio, meu primo e minha avó. Entramos e sentamos, e você já acelerou.

A chuva estava forte e você acelerava mais e mais. E eu pedia pra ir mais devagar. Por nada você tirava o pé do acelerador.

Acidentes aconteciam pelo caminho, e você desviava. Era motos, carros e caminhões. A rodovia estava pelo avesso. Então houve um momento que me abaixei, fechei os olhos e senti que o carro girava na pista. Iria capotar. Gritei para todos se segurarem.


* * *


Quando acordei você estava tratando de meus ferimentos. Na própria estrada, mas não chovia mais. Estavam de pé você, meu tio e meu primo e queriam seguir em frente, para onde várias pessoas seguiam, em meio a carros tombados e amassados, era para onde a estrada levava. Eu perguntei de minha avó. Disseram-me que estava para trás e eu fui procurá-la. Fiquei com medo que a tivesse perdido, mas ela estava lá. Dentro de um aquário com outros peixinhos dourados, era ela nadando viva!

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Sueda

Arma disfarçada de eu te adoro
Dilui lágrimas reais ao suor tão desejado
Embala noites com pesadelos dispersos
Unifica suspiros sofridos e sorrisos forçados
Súplicas não adiantaram

Amargo é o gosto do amanhecer
Reverso era tudo o que eu queria
Teimosia do medo escarrado
Enfim, a despedida do que não começou

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Botando pra fora

Em alguns momentos, nossos sentimentos crescem dentro de nós. E nessas vezes, sentimos a felicidade transbordar por nosso corpo, tanto que ela se transforma em lágrimas de felicidade.
Existem outras situações em que a alegria é tamanha que, incontrolavelmente, começamos a rir. E o engraçado é que rimos de forma contagiante, seduzindo aqueles que nos cercam a rir também. Seja de nossa risada, seja de nós mesmo, ou seja lá por qual motivo seria.
Por outro lado, existem momentos em que passamos por situações não tão agradáveis. A angústia também transborda em lágrimas, ou então, nos fechamos no mais escuro silêncio. Fazemos a distância entre nós e o mundo se tornar gigante, quase que intransponível. Mas é nesse momento em que alguém nos encontra e nos força a chorar, nos força a falar... Não é instantâneo, mas somente após isso é que as coisas começam a melhorar.
Nosso corpo é limitado, as emoções ocupam espaço e precisam sair de dentro de nós. Não adianta lutarmos contra o inevitável. Os sentimentos são invisíveis, e por isso são fortes o bastante para nos causar tudo isso. Eles precisam ser notados, precisam ser vistos, ouvidos, sentidos. Eles precisam sair!
Não lute contra aquilo que está dentro de você, fale aquilo que precisa falar. Diga o que sente, sorria, chore, grite, cante, encante... O espaço entre nós e o mundo deve ser um só, o menor possível. Tire o que está dentro de você, compartilhe com o mundo, compartilhe comigo...

O mundo imenso

Nessa imensidão de paredes,
Construo agora uma janela
Para que possa deitar e olhar
Não o mundo que é matéria
Imensa e que faz perder o todo de vista
Quando o que se quer é concentrar
E fixar o olhar em coisas pequenas
E nessas infimezas o mundo transformar,
Transformar a grandeza em algo perceptível ao olhar,
E, deitado, de uma só vez, a tudo contemplar
Mas... como contemplar o mundo
Se sua imensidão só nos faz nele mergulhar
Quando tudo que se quer é reter o ar
Sem perdê-lo, sem mover-se um centímetro.
E olhar o mundo mas com ele não se sufocar
É a mesma tarefa impossível
De reter toda a vida e todo o universo
Na soma dos versos de uma poesia
E eis que o mundo é isso
E isso é o mundo.
É hesitar ante a vertigem de contemplar o infinito
(Reter o ar)
E em seguida soltá-lo e se deixar voar.