terça-feira, março 29, 2011

Ajuda

"Sombras, frio. Escuro, medo. Silêncio, apreensão. Aguardo uma salvação. Olho para os lados, preciso me abrigar. Corro sem saber onde irei chegar. Armadilhas, passagens secretas. Incertezas. Nenhuma das portas abertas. Estou sem armas, não sei me defender. Procuro por recursos para poder sobreviver. Por mais que procure, estarei sozinho. Não há ninguém nesse escuro caminho. Por mais que eu caia, sempre irei me levantar. Mas mesmo sozinho, sinto alguém me ajudar. Parece você, meu amor. Que sempre consegue me afastar da dor. Não importa a hora, nem mesmo o lugar. Você sempre esteve perto para poder me resgatar! Obrigado!"

terça-feira, março 22, 2011

Baku


Não, não tema! Não se afaste, nem se esconda. Venha cá, pequena criança. Dê-me sua mão. Segure-a bem firme se isso lhe conforta. Estarei ao seu lado. Esconda essas lágrimas, afaste o seu choro, não há o que temer. Você está em segurança.
Sei que teme a aparência demoníaca e assustadora que eles possuem, mas não deve. Eles não lhe farão mal algum, pelo contrário. Eles estão por perto para zelar por você. A escuridão pode ser assustadora, principalmente quando acordar espantada e suada por causa de pesadelos. Mas assim que escapar do mundo dos sonhos, onde a linha tênue da realidade se funde com o absurdo e o abstrato, eles serão a sua maior proteção, além de mim, meu amor.
Seus olhos dourados faíscam no meio do mais profundo breu, causando-lhe arrepios. Mas eles estão apenas te vigiando.
Não! Não corra. Fique aqui. Confie em mim.
A medida que a luz ilumina seu corpo, talvez você se sinta intimidada. Suas garras afiadas e presas pontiagudas não são amistosas, mas lembre-se que eles não lhe farão mal algum. Trate-os bem e eles serão seus amigos para sempre. Não se espante com seu nariz, que mais se assemelha a uma tromba de elefante, pois esta é a parte mais importante do seu assustador corpo. Repare na maciez de sua cauda. A mais bela raposa não possui cauda tão bem cuidada.
Ei! Olhe para mim! Preste atenção! Não julgue pela aparência. Não, não. Isso nada nos diz. Pois eles são dóceis e serão sua salvação. Estarei por perto, vigiarei o seu sono, mas não prometo estar presente o resto de sua vida, o tempo está passando rápido por mim.
A noite vai cair, o sono cobrirá seus olhos e você vai mergulhar nas profundezas dos sonhos e pesadelos. Não há nada em que eu possa fazer por você, criança. Então, seja valente e siga adiante. Quando os chacais da morte pregarem as presas em sua pele ou quando o chão se desfizer, te arremessando ao infinito, lembre-se deles. Quando sua vida estiver em perigo e seus gritos não forem escutados, lembre-se deles. Estarei aqui, no mundo real segurando sua mão. Mas é lá, dentro de seus sonhos, que o Baku fará o que eu não posso fazer.
Com sua tromba de elefante, essas criaturas de olhos dourados que tanto teme, sugarão seus pesadelos. Serão eles que lhe trarão proteção e serenidade nas noites de sono. São eles que se alimentarão do mal que cerca seu inconsciente.
Feche seus olhos, minha pequena. Você está protegida. Estarei ao seu lado todas as noites, protegendo o seu corpo. E enquanto adormece, o Baku protegerá você dos seus terríveis sonhos...

quinta-feira, março 17, 2011

Diário de Carnaval

Abandono a terceira pessoa logo na primeira frase. Assim, como que em um diário, vou me transpor em letras sem vergonha, sem medo, sem receios de críticas ou conotações.
Algumas semanas antes do Carnaval comentei com algumas pessoas que seria meu último carnaval. – Calma! Não, não. Não vou morrer, não. (Pretendo, pelo menos. Já que esta é a única certeza que todos compartilhamos... que vamos partir um dia.) Mas o último no sentido da festa, da liberdade, da solteirice.
Bem cansada destes amores insípidos, inodoros, incolores e indolores... Estava bem empenhada a passar todos os outros carnavais acompanhada de alguém que, talvez, tivesse vontade de trocar uma noite de samba por filme e pipoca.
É verdade... Meus 27 anos tão bem vividos, sem nenhuma gota de arrependimento e muitas doses de intensidade, pesam e me cobram uma nova postura... Um novo sonho... Uma nova vida, talvez. Casar, ter filhos. Cuidar do trabalho, da casa, dos filhos, do marido. Dosar as idas ao samba, à praia, ao rock... Uau! Tudo isto? E ainda parece melhor que estar sozinha?
Teimosa e cabeça dura. Perdi oportunidades e pessoas incríveis que eu poderia passar o resto da minha vida dosando as danças e as músicas, porque eram música e dança em presença na minha vida... Mas, não... Sempre achei que o bendito “amor” compartilhado deveria ser gigante e exageradamente verdadeiro! E hoje nem sei mais o que é de verdade...
Então, voltemos ao Carnaval. Insisti em uma viagem distante. Onde eu pudesse me ver longe do que tudo que já fui e ainda sou. Um lugar onde as paisagens pudessem preencher meus vazios e o sol pudesse bronzear cicatrizes e deformações, disfarçando a pele de quem já viveu tanto com só (agora só) 27 anos!
Eis que Florianópolis me presenteou com a graça da vista das praias, ilhas e me agraciou com Sol dourado durante oito dias! Me hospedei em um hostel. Era só para economizar, mesmo. Mas o Carnaval, meio que zombando com minha cara e todo aquele pensamento certinho acima, me brinda com novas pessoas. Ahhh... e como eu amo as pessoas, suas histórias, suas diferenças e suas particularidades.
Solteiras. Eram todas solteiras. E entre todas, as mais novas eram A (médica psiquiátrica, capixaba desbravadora de São Paulo), de 25 e eu, com 27.
Me encantei! A energia balzaquiana de uma contadora que se enfeita de minuto em minuto. Com a sua história de superação e mudança de vida. Depois de uma depressão profunda, renegou a condição de ser triste por tempo indeterminado e jogou tudo para o alto. Nova Vida era o nome do seu novo barco. E me deparei com uma mulher forte, determinada a ser feliz a qualquer custo, velejando em um mar de certezas onde a maior delas é: só depende dela! E com ela aprendi que eu posso morrer todos os dias, desde que eu renasça em uma nova vida. Com ela aprendi que é preciso renegar a algumas regalias para entrar neste novo barco, às vezes apertado e desconfortável, mas que te leva a aventuras incríveis sem preocupações de quanto tempo vai durar a viagem.
Da imagem frágil e sorriso doce, a revelação de uma microempresária bem sucedida e superação de histórias dolorosas. Chorei, sem vergonha, com sua história. Dez anos dedicados ao amor, ao relacionamento e um golpe fatal de realidade: era só um sonho de dez anos. 32 anos em carinha de 22 e no coração, o perdão de forma pura que nunca encontrei. Com seu castelo destruído, foi juntando os cacos reconstruindo sem pressa uma casa simples em bases mais sólidas. Encontrou sete estrelas e fez constelação no seu céu. E hoje vive sorrisos diferentes daqueles 10 anos. E em cada km rodado, se sente mais forte e, mesmo de encontro brusco com a realidade, não perdeu a capacidade de sonhar. Só não se precipita em realizar antes de sonhar. Com ela aprendi que perdoar é, também, se doar a si mesmo e se dar uma chance de apagar o passado de dor e guardar só o que existiu de bom.
Do susto, à surpresa. Ela tinha mesmo era cara de senhorita recém-casada. Mas estava lá, no quarto 40, no primeiro beliche e um armário desarrumado. Chegou fazendo barulho, acordando meu sono. Que coisa!
Tinha se mudado para aquele quarto naquele dia. E só por isso o armário estava uma “zona”. Depois, foi possível perceber o quanto era “arrumadinha”. Minhas bagunças eram muito maiores, como sempre. E não é que ela era solteira. Administradora, bióloga e funcionária pública. Dançarina, revelação do surf amador e, caramba!! É isto! Os 37 anos bem vividos da forma que sempre quis, construiu esta imagem de 29 que ela carrega num sorriso largo e numa fala mansa carregada de sotaque paulista. Meu Deus!! Ela estava ali tão feliz. Tão liberta. Tão exuberante. E com ela eu aprendi que a vida não segue uma linha de tempo como sempre nos ensinaram. Que eu não preciso marcar meu último carnaval, porque nada precisa ser último se tivermos vontade!
Ainda têm as cariocas lindas, loiras e bronzeadas. Com elas aprendi que o dia pode ser melhor que a noite quando a cidade tem mais gays lindos do que homens interessantes!
E a amiga de sempre. Aquela que antes dos 24 nem sabia sorrir. E hoje, com 29 recém-feitos, distribui sorrisos e quase se arrisca em uma super gargalhada. Mais desprendida, menos medrosa, quase bem humorada e o mesmo amor e amizade por mim.
Não foi meu último carnaval. Mas foi o primeiro que me deu a certeza de que não é fazendo cartilha que garantimos a felicidade.
Foi o primeiro que me enriqueceu de histórias que não são minhas e, no entanto, me fazem aprender de vida e superação.
Não foi só um Carnaval. Foi um grande encontro com várias formas que eu posso dar à minha vida. E, em qualquer uma delas, ser feliz sem a menor preocupação de ainda continuar solteira!
Obrigada, meninas. Obrigada, Floripa. E ao Carnaval... Outra vez aprontando comigo, eu digo: - Valeu.
E depois do carnaval... Renovada fé. Reforçada paz. Revivida esperança. Restabelecidas certezas. Posto em dúvida a razão com sua briga constante com a emoção. E declarada a absoluta divindade que é VIVER! E ainda melhor: Conhecer pessoas!

terça-feira, março 15, 2011

Passa

Passa, passa, passa. Tão rápido que os olhos mal conseguem acompanhar. Passa, passa, passa, como se fosse um borrão cinza e comprido. Os detalhes passam; só que despercebidos.
Não me importo com os detalhes, pois são tantos que consigo observar os detalhes aos poucos. Um pouco de cada um. Passa, passa, passa. Tão rápido que o movimento da minha cabeça não é capaz de acompanhar a chegada do segundo antes do primeiro ter ido embora.
Olho uma parte de uns três ou quatro deles, depois vejo outra parte nos próximos cinco. Passa, passa, passa. No fim, tenho certeza que serei capaz de ver um no mais perfeito detalhe, afinal são todos iguais. Sutis devem ser as diferenças. Passa, passa, passa. É nisso que eu acredito, e é isso que meus olhos enxergam.
Nunca tinha vivido uma experiência como essa. Deveria ter pensado em contar. Mas são tantos que não sei se saberia continuar contando. Não aprendi a contar. Passa, passa, passa. Acho que já estou ficando entediado. Nada mais chato do que ver sempre a mesma coisa, passando. Acho que estou perdendo o interesse dos detalhes! É isso!
Passa, passa. Ué, o que está acontecendo? Passa, passa. Parece que estão cansados, ou estão diminuindo o ritmo da corrida. Passa. Tudo está mais lento, até mesmo o vento que antes soprava meu cabelo para trás. Passa. Está parando.
- Trombadinha dos infernos! Eu não falei pra você que, sem bilhete não embarca?
Era aquele homem de uniforme de novo!
- Agora, vai fazer o resto do caminho andando. Vai aprender a lição!
Suas mãos me jogaram para fora daquele trem. Mal havia tirado o pó do meu corpo e aquela incrível máquina já estava distante, levantando poeira e me deixando sozinho. Passa.
Continuei a caminhada, debaixo do sol. O calor estava insuportável e eu não havia alternativa, senão caminhar. Tentar chegar até a próxima estação. Tentar um novo embarque furtivo. Passa.
Foi só então que dei mais atenção para cada um deles. Sim, em sua maioria eram compridos e cinzas, mas as semelhanças ficavam por aí. Cada um tinha características distintas. Alguns tinham cores, outros desenhos. Haviam postes de formato cilíndrico, mas também haviam outros que pareciam perfis da letra “H”. Passa.
Os quilômetros iam ficando para trás lentamente, pois eu dava atenção a todos eles. Havia uma beleza peculiar em cada um. A tarde estava caindo e dando lugar para a noite, quando finalmente me aproximei da estação. Passa. E só então, eu pude concluir que, apesar da aparência, quando olhamos com mais atenção, veremos que eles são diferentes uns dos outros. Eu estava enganado. Eles são únicos, e desperdicei a chance de conhecê-los, por tratá-los como iguais. Passa.

terça-feira, março 08, 2011

A menina e as fadas

Os olhos da pequena garota acompanhavam seu sutil e cativante movimento. Parecia uma apresentação de ballet, onde as bailarinas esbanjavam serenidade e encanto. De um lado para o outro, de cima pra baixo e rodando em espirais.
O sorriso lhe escapava dos lábios, estava envolvida e hipnotizada por tamanha beleza e graça. Sua inocente mente ludibriava seus olhos e acreditava que observava coloridas borboletas. Mas borboletas não deixam rastros após sua passagem e aquelas criaturas despejavam um pó cintilante que deixava um trilho brilhante no ar.
Iluminavam o ar e distraiam a jovem garota, que estendeu a mão na tentativa de que uma dessas criaturas lhe tocasse o dedo. As asas batiam tão rápido que pareciam estar paradas. Movendo-se sutilmente, sem perder a graça, a pequena criatura pousou na palma da mão da menina. Seus delicados e diminutos pés tentavam se equilibrar enquanto a menina evitava sacudir a mão em função da cócega que o toque da purpurina lhe causava. A garota via cores, ouvia o som das asas batendo, mas não era capaz de compreender que aquele ser dispunha de um corpo semelhante ao de um humano se não fosse pelas asas e sua minúscula estatura. Ela não compreendia.
Um suave balançar da mão causou espanto na criatura, que se preparou para alçar vôo. Mas na tentativa vã de manter aquela luminosa criatura em sua mão, a garota fechou seus dedos, acertando em cheio aquele frágil corpo. No mesmo instante a criatura desfaleceu; a luz se apagou, o som de suas asas se calou e o pequeno corpo ficou estendido na mão da garota, que não soube o que fazer. Olhou ao seu redor, e viu que inúmeras outras criaturas como aquela dançavam no ar, porém, sem exibir aquela alegria e magia de antes.
O movimento das demais passou a ser mais rápido, mais ameaçador, assustando a menina. A alegria se fora e a menina compreendeu que aqueles seres não eram mais engraçados e agradáveis de ver. Em um movimento sincronizado e extremamente rápido, duas criaturas, uma ligeiramente azulada e outra de cor lilás predominante, voaram em direção ao rosto da menina, desviando do contato na última fração de segundo. Ao fazer tal movimento, o pó brilhante que desprendia de seus pequenos corpos entrou nos olhos da menina, que ficou cega. Coçava, gritava, piscava, mas de nada adiantava. Estava cega!
Na tentativa vã de fugir, outras criaturas atravessaram o caminho da menina, que tropeçou e foi ao chão. Sentiu diversas pontadas ao longo do corpo, mas não podia ver aqueles seres empunhando longas espadas, que para a criança era como inúmeros alfinetes. Seu corpo era perfurado incessantemente. Atingiram sua garganta, seus braços e pernas. Furaram seus tímpanos e não tardou para deixar de ouvir os próprios gritos. As picadas continuaram e depois de mais alguns minutos a garota deixou de existir. Morreu sem saber que as fadas podem ser mortais.

terça-feira, março 01, 2011

O herói de Joana

Ele é gigante! Forte e totalmente imune àquela sensação que os normais chamam de medo. Mais rápido que um raio e mais inteligente que um computador. Sim, ele é!
O uniforme fica escondido debaixo daquela roupa que usa para se camuflar e se infiltrar no castelo inimigo. O lugar é enorme, chega a tocar o céu. Mas nunca desvendaram sua identidade, pois ele se veste iguais aos outros. Tem até aquela corda colorida enrolada no pescoço.
Seus olhos são capazes de enxergar através das coisas. Ele sabe o que fiz na escola mesmo quando não contei nada pra ninguém. Ele sabe quando estou triste e sabe também quando estou fingindo que estou dormindo.
Ele já esteve do outro lado do mundo e voltou no dia seguinte. Aposto que ficou cansado em passar a madrugada toda voando para me ver. Só espero que ele não use a cueca por cima da calça, como é moda nos outros amigos da profissão dele.
Só fico chateada, pois mesmo ele sendo o maior super herói do mundo, ele não consegue derrotar o seu inimigo. Mamãe já me levou até a frente do castelo onde ele fica infiltrado, mas são tantos... Por todos os lados eu vejo os homens com a corda no pescoço. Ele vai ter trabalho para derrotar a todos. Imagino como deve ser o chefe deles. Dizem que fica sentado na janela do lugar mais alto do castelo de vidro. Mamãe contou que ele está em missão secreta e que depois de muito tempo infiltrado, talvez consiga derrotar o vilão e sentar na sua cadeira.
Eu torço todas as noites para ele conseguir isso, assim, quem sabe, ele pode passar mais tempo comigo.
...
Joana não sabia, mas o seu pai tinha estatura mediana. Seu QI não passava de cem pontos. Viajou para o exterior uma única vez e gasta todo o seu dinheiro em uma escola com câmeras. Seu maior medo é não ter condições de dar um futuro para sua filha. O pai de Joana não é um super herói, mas sim um homem comum. Um ordinário qualquer.