sexta-feira, abril 30, 2010

ASAS

Brota em meus pés o chão.
Se sigo em frente, avante estrada.
Brotam em meus olhos lágrimas.
Pelo retrovisor despeço de minhas pegadas.

Dia e noite entre curvas e linhas.
E ainda, a folha em branco.
Angústia, desespero, tristeza?
- Não. Não tenho tema.
Não tenho pena.
Nem asas.
Eu sei voar.

Brotam em meu chão, lágrimas.
Se paro e penso, final. Chegada.
Brota nos meus olhos o fim.
Nasce e recordo minha estrada.
Pelo retrovisor não vejo mais nada.

Brotaram em mim, asas.

Débora Andrade

quarta-feira, abril 28, 2010

Tragam-me as fadas

Degusta minha pele como sobras de comida
Esfola o couro com a unha comprida... Suja
Teu cuspe, ácido, queima fundo até os nervos
O hálito podre tem cheiro de pecado e sal

Me tomou
Levou-me ao seu encontro, de arrasto
Fez de meu corpo um tabuleiro de jogo perdido
Almas ao redor, escuridão e fedor
Sua morada não é das mais puras

Gargantas cortadas, olhos em chamas
Nada disso é pior que sua voz gutural
Tortura minha mente vinte e quatro horas
Listando todos os pecados que cometi
Detalhando todas as mortes que causei
Punição inglória... Amargo tom de vermelho

Sentado sobre meu sexo
Não há prazer
Queima, corta e esfola
São rasgos de carne
Lascas de uma vida de estupros

Hoje me desfaço em restos humanos
Hoje... Amanhã... Eterno

A língua venenosa invade minha boca
Chupa meu sangue e meu espírito
Cospe o ácido misto... Meus fluídos
Gozo meus podres
Orgasmo de vida inútil
Clímax sem fim

Inferno de unhas pintadas
De roupas deixadas e rostos espancados

Sou eu, frio na pedra quente
Deitado nas emoções despercebidas
Fechando os olhos para acordar as fadas
De asas transparentes e olhos esverdeados
Pesadelo e sonho, unidos por meus gritos

Abro os olhos e durmo com meu diabo

terça-feira, abril 27, 2010

O bizarro acontecimento na rua Wikkyborn

Passo diante dele, mas nunca dei-lhe a devida atenção. Não sei por que disse isso no singular, pois não é um, são vários. Inúmeros! Seja na parte da manhã, durante a tarde ou altas horas da noite.
Nunca prestei atenção. Não pense que faço isso de propósito, eu apenas os odeio! Alguns são fáceis de entender, outros nem tanto, mas nenhum deles me fez perder mais do que alguns míseros segundos. Eles me apavoram!
Você pode pensar que sou uma pessoa desatenta ou distraída, mas estou longe de ser esse tipo de pessoa. Apenas não tenho interesse em vê-los. Busco manter distância, mesmo sabendo que isso não é possível.
A mulher gorda sempre me causou repulsa. Aquela sala de jantar vazia me traz pavor. O calmo lago sugere uma fúnebre paisagem. Aqueles cavalos parecem demônios alados. Enfim, não gosto de observá-los. Nem mesmo de lembrar que eles estão aqui.
Não importa se estão emoldurados com marfim, alumínio, plástico ou qualquer outro material. Tanto faz se possuem detalhes, entalhes ou malabares. Eu não gosto e parece que essa minha opinião não mudará os fatos. No último mês comprei mais dois. Raios, o que faço com essas malditas crianças sorridentes? Deveria afogá-las, mas não. Coloquei no hall de entrada. Não sei onde estava com a cabeça quando fiz isso, pois elas parecem dois demônios, que zombam de mim toda vez que entro em casa. Já as flores não me assustam, mas confesso que vejo nelas a tristeza de um velório. Odeio flores!
Pense o que quiser de mim. Diga aos outros que tenho manias, ou então, que sou louco. Mas só eu estava lá quando vi aquela figura se mover. Todas as outras crianças foram assassinadas diante de meus olhos. Aquele inocente palhaço não poupou ninguém além de mim. E só sobrevivi, pois jurei ser o maior colecionador de quadros desse mundo. E aqui estou; cercado deles. Perseguido por eles. Assombrado por eles. Tudo porque eu fui o único a testemunhar o bizarro acontecimento na rua Wikkyborn.

quarta-feira, abril 21, 2010

Poesia para Celular #03 : Tocar

Nas entrelinhas de nossas escritas
Estão as melodias de nossa música
O som não se faz
Necessita de algo
Toques

terça-feira, abril 20, 2010

Dispensando as palavras

Eu percebi no momento em que entrou em casa. Sua respiração, seus passos, seu silêncio. Não fez nada diferente do que sempre faz, mas mesmo assim, pude perceber.
Sentamos para almoçar, você comeu calada como sempre, mas o ar ao seu redor lhe entregava. Seus olhos, a forma em que apoiava as mãos sobre a mesa ou então como brincava com o último pedaço da carne no prato. Você não estava bem.
Tentei conversar, mas o máximo que pude fazer foi apelar para o fútil assunto do tempo. Não demorou muito para que você se retirasse da mesa e subisse para o quarto.
Fiquei bons minutos andando em círculos na inútil tarefa de tentar adivinhar o que fazer. Não havia muito que fazer, nunca soube o que fazer.
Subi vagarosamente as escadas, precisava ganhar tempo para pensar, mas não adiantaria. A escada poderia ser tão longa quanto a muralha da China, eu chegaria ao final sem saber o que dizer. Bati na porta e esperei sua permissão para entrar.
Finalmente pude confirmar aquilo que soube no momento em que entrou em casa. Seus olhos estavam vermelhos, a tentativa de enxugar as lágrimas tinha sido em vão. Você me mostrou um sorriso amistoso, que logo desapareceu, mas entendi que era a autorização para que eu me aproximasse.
Sentei-me na cama e ficamos em silêncio por um bom tempo. Foi quando você – sempre mais corajosa que eu – quebrou o silêncio.
- Sinto falta da mamãe...
- Também sinto. – Respondi – Nunca fui bom com as palavras, queria poder lhe confortar.
Por fim, nos abraçamos por um bom tempo e assim ficamos até que suas lágrimas secaram.
- Já estou me sentindo melhor! Obrigada!
Aquilo me fez bem. Decidi deixar você a vontade, mas foi nessa hora que me desmanchei ao ouvir você dizendo:
- Você não precisa ser bom com as palavras... você já é bom sendo meu pai!

quarta-feira, abril 14, 2010

Gadanha rasga o vento

Gadanha rasga o vento, corta o som
Ceifa a vida, corta o caule
Tira a vida, leva o grão

Gadanha, morte e vida
Ceifa o corpo, corta o espírito
Tira a luz, leva a dor

Gadanha, descanso e paz
Ceifa a alma, corta a carne
Tira a morte, leva ao renascimento

terça-feira, abril 13, 2010

A loucura é cega

"Sofro de um mal,
um mal que atormenta a minha mente.
Chamado por muitos
de loucura.

Mas não seria
apenas uma outra forma de ver as coisas?

Uma forma da qual se é livre,
para ver, ouvir e pensar.
Mas prefiro me calar.
O silêncio me compreende.

Observo as paredes,
elas possuem ouvidos.
Os criados são mudos,
e eu, um louco desvairado.

As coisas mudam de lugar,
e minha mente teima em se calar.
Só consigo pensar no escuro.
Só consigo falar na minha própria presença.

As palavras estão sem coerência,
e os sentidos, completamente abstratos.
Mas a beleza dos loucos
Não se guarda em retratos.

Olhe para um canto,
imagine um momento que viveu.
Agora feche os olhos,
e se entregue ao silêncio e a escuridão.

O mundo dos loucos
abre seus braços.
Saudamos a sua vinda.
Bem vinda loucura.

Agora esqueça de tudo que falei.
O amor e a loucura são coisas parecidas.
Apenas se sabe quando se tem.
Sou um louco, e um amante também.

Se já provou do amor,
conhece bem a loucura.
E sabe muito bem,
que para ambos, não temos a cura"

domingo, abril 11, 2010

Teoria das inutilidades

O silêncio líquido não comunga mais das coisas
nem mesmo das pedras.

As aves não querem mais migrar daquele lugar
largado às traças.

Os rios que nascem à montante não são os mesmos
que correm à jusante.

Quando a minha escrita está para o nada
nasce rabiscos poéticos.

Em lugares decadentes
qualquer coisa que se move se torna importante.

O cheiro da paisagem
carrega mais cor que o horizonte pintado na tela.

O nascer da flor não está na primavera
mas no outono quando suas folhas trocam de roupa.

Havia um menino que pensava ser árvore.
E foi.

Durante o dia as coisas pertencem à luz.
À noite não pertencem a mais ninguém.

O delírio das coisas está guardada no quintal
de nossas casas.

Pegar na palavra que só comete suicídio
é mais prazeroso que pegar na palavra que só bate o ponto.

Pensando assim me formei cientista
das teorias das insignificâncias.

sexta-feira, abril 09, 2010

Desastrados

Pessoas desastradas costumam não ter cuidado com nada. Por onde passam sempre deixam um pequeno estrago. Estão sempre a causar certo prejuízo e alguma descontração. Não são assim porque querem. São assim porque são.

Eu sou um tanto desastrada. E, por isso, procuro manter alguma distância de objetos frágeis de grande valor. Já quebrei um bocado de coisas, já causei certos prejuízos mas, já causei alguma descontração.

Tenho tentado ser menos desastrada. Ou, pelo menos, tentar ser desastrada apenas com objetos e nunca com pessoas. Tenho procurado ter um certo cuidado, até porque, gosto dos frágeis e de grande valor.

A fragilidade é como cápsula de fina espessura que guardam compostos de força e explosão. Semelhantes àquelas “super” vitaminas “milagrosas”, quase sempre importadas e raras.

O valor das pessoas? Bom, este não pode ser medido pelo valor da matéria prima ou, ainda, pelos índices da Bolsa de Valores. É um valor sem medidas, não contábil. E é quase incontrolável quando este valor cresce, cresce.

Por vezes, cresce tanto que quase não alcanço. Sou de estatura mediana. Sim, eu sei tirar os pés do chão e gosto de voar. Mas meu vôo é conduzido pelo vento, que nem sempre sopra na direção que quero. Ainda obedeço a certas ordens naturais e vivo minhas limitações humanas. Portanto, tento conduzir o valor até onde eu alcanço. Por mais que eu deseje o aumentar dilacerado e descompassado deste valor.

Estranhamente, tenho vivido uma era de cuidados. Já disse acima que tenho tentado ser menos desastrada. Mas não se animem muito, não. Se me tiverem como visita em suas casas, escondam todos os cristais. Só não se escondam de mim... É para isto todo o meu cuidado. Um certo “receio” me tomou de assalto: por medo de perder por estar perdida, me refiz e, agora, tento ser mais calma e mais cuidadosa.

Tomara, um dia, eu não precisar do vento para chegar tão alto... (reticências).

quarta-feira, abril 07, 2010

Pó e Pedra

Iras insanas, de curvas destruídas
Invadem minhas ruas em porres de promessas quebradas
Palavras que reverberam, sons perdidos em vozes distantes
Tua verdade agora é outra e os braços que te abraçam, idem

Melados os corpos com mentiras incertas
Tuas estradas não nos levaram a lugar algum
Minha estrada não me leva a lugar nenhum
Antes as cores me eram prometidas, promessa vagas

Bocas que vomitaram viagens
Relances de um desfile de senãos
E as vias se entopem de pessoas sem rosto
E os braços abraçam a carne sem sentido

Velhas caixas são abertas e remexidas
Novos potes acabam se quebrando
O passado se torna perdoável, mas ainda distante
O futuro é uma farsa inútil e descompromissada

A carne é vã e os sorrisos são consequência
Os beijos intercedem junto ao negro da noite
Meu sangue é torrente de decepções
Venham todas as mágoas do passado e do presente
Misturem-se aos meus sorrisos atualmente fáceis

Afinal, a vida é isso...
Sem compromisso de luas e sóis
Sem mares e montanhas, sem rosas vermelhas, nem espinhos

Iras insanas
Sigo minhas vinhas de doce sabor
Bebo meu corpo e vejo minhas escritas
Não preciso mais de ninguém

Sou letras e palavras, contos e poesias
Sou mártir e vilão de minhas próprias ruas
Pesco em minhas águas
Sobrevivo em minha doença de suspense
Sou pó e pedra, risco e improviso
Sou eu

terça-feira, abril 06, 2010

Meu manual

Não adianta termos pressa, as coisas precisam ser feitas com calma e tranqüilidade. Antes de agir, precisamos observar; prestar atenção nos detalhes, nos gestos, nos sinais. Não podemos tomar decisões por causa de um belo rostinho.
Uma pele macia, um cheiro estonteante e uma voz sedosa. É disso que estou falando! Um olhar firme e confiante também é importante. Não basta ter um corpo de modelo ou de dançarina de axé. É preciso ter segurança na forma de andar e ter uma cabeça com algo além de creme, tinta e idéias fúteis. Precisa ser um ser pensante, e essa parte não é fácil.
Não podemos nos apegar a nada material, portanto, não importa se ela anda de ônibus ou de Mercedez. Assim como, não importa qual é a influência de sua família. Basta ter personalidade, ser dona e responsável dos seus atos.
Talentos adicionais são interessantes, atraentes, porém não são pré-requisitos. Então, não menospreze aquelas que não possuem dotes culinários, ou experiência com crianças e idosos. Não deixe se levar por isso, caso contrário, você vai acabar se apaixonando e isso pode botar tudo a perder. Não queremos colocar a paixão e o coração nessa delicada busca.
Jamais use o termo “pegar” e muito menos desista de uma garota depois que fizer sua escolha. Você precisa estar certo de ter feito a escolha correta e não desistir até ter conseguido atingir o seu objetivo.
Depois de realizar sua minuciosa escolha, deve partir para a ofensiva. Não me importa se será delicado, gentil, cavalheiro ou se será um canalha agressivo que utiliza a força bruta. O mais importante você já fez - a escolha certa!
O final, precisa ser feito conforme as regras – novamente. Nada de outros métodos! O corpo dela deve estar nu, ausente de qualquer adorno. Se for preciso, amarre-o, isso pode ser excitante. Não utilize nenhum material com borracha ou látex, você deve usar algo de madeira, um pau por exemplo. Não pode falhar, não há espaço para uma segunda tentativa. A primeira é a que importa. Acerte a cabeça, com um golpe certeiro e fatal – a testa por exemplo. Não se impressione com o sangue, ele vai espirrar em você de qualquer jeito. Se ela resistir, você perdeu. Caso contrário... procure-me. Vou lhe ensinar o que fazer depois!

sexta-feira, abril 02, 2010

Os Encantados

Há sempre uma magia e um encantamento natural peculiares aos que sonham muito.
Pessoas assim transformam o normal em sobrenatural.
Estão sempre inventando alguma coisa...
Estão sempre a florear o deserto, a se deliciar com o doce das nuvens do céu e a correr como água pelas curvas dos rios.

Inventam, acreditam e vivem o que criam.

Não se contentam com as estrelas do céu, “no” céu. E então, fabricam céu particular no teto do quarto.
Pintam paisagens em suas janelas e, pelas tardes, alternam entre a vista do mar azul, que reflete brilhoso os raios solares e as montanhas verdes que escondem o misterioso sono do Sol.
Têm na porta da frente um mundo redondo de possibilidades. Inventam o tempo todo...
São capazes de nos trazer flores azuis encantadas colhidas dos seus próprios jardins.

Tudo é encantado... Nada parece mera coincidência. E tudo é pretexto para inventar a felicidade... E em um protesto musical, espantam as dores... Colhem, durante o inverno, seus amores.

O que não sabem os encantados é que a magia também cabe na realidade quando ela ainda está vazia.

Ternura, afeto, carinho, coincidências, almas, calma... Invente sua história. Abuse da sua imaginação.
Encantado, mesmo, é o que explode no coração.

quinta-feira, abril 01, 2010

O que é um Touro?



Você está sentado na grama, sentindo a brisa matinal, vendo o campo se transformar com o crescer da juventude do dia. E com essa juventude tão inocente e original surge aquele garoto de ombros largos e de força eminente, mas de uma sensibilidade tão alta que seus músculos infantis se tornam meigos. Sua pequena mão gordinha de curtos dedos trazem dentro de si uma flor silvestre aprisionada, mas a flor se sente a vontade de estar ali, pois vale o momento.

Aquele garoto sorri, feliz em te dar o presente, contente por te ver sorrir também. Uma flor por um sorriso, esta é a lealdade conquistada. O prazer do momento, da felicidade, e da inexistência do tempo. O prazer do amor às pequenas grandes coisas. Um touro é todo esse sentimento por inteiro, sem tirar nem pôr palavra alguma.

O que é um touro senão o amor à vida?