terça-feira, maio 31, 2011

Palhaço sem graça

Ele era conhecido por muitas pessoas da região que passavam por aquelas bandas. No parque, podia ser encontrado todos os finais de semana. Mas ele não era simplesmente encontrado, era procurado. As pessoas visitavam o parque por causa dele, queriam vê-lo, queriam se divertir com suas peças e apresentações.
Ninguém sabia o seu nome, ele se apresentava apenas como ‘palhaço’. Algumas crianças o chamavam de ‘tio’, isto é, quando estavam em condições de falar, na maioria das vezes ficavam tão surpresas e felizes, que não tinham reações. A admiração era marca no rosto de todos ao término de cada apresentação.
Mágicas, malabarismo e as normais palhaçadas fazem parte do show, mas a arma especial do seu espetáculo se chama: carisma. Ele tinha um incrível dom de cativar as pessoas de uma forma como ninguém mais poderia. Talvez fosse a pintura em seu rosto em que lágrimas escapavam do seu olho direito, ou então seria seu tom de voz tímido no início de cada apresentação. Seria então o seu sorriso sincero? Não importa. O fato é que o palhaço fazia as pessoas felizes. Não importando a idade; fosse adulto, idoso ou criança, todos paravam seu passeio no parque para ouvir suas piadas e suas palhaçadas. Ele era o máximo!
Alguns afirmavam que seu breve espetáculo podia curar pessoas. O breve olhar de seu rosto tão carregado de maquiagem quanto de sonhos e emoções, seria capaz de espantar a dor. Seria ele um messias? Posso afirma que não, ele é apenas um palhaço. Mas um palhaço capaz de fazer coisas que um ser humano comum não consegue. Um homem com o incrível talento de fazer as pessoas felizes. Mas ele lamenta. O palhaço é um homem só, pois a pessoa mais importante na sua vida, ele não foi capaz de fazer feliz...

Sua ex-mulher.

terça-feira, maio 24, 2011

Terra dos homens

Não tenho muito tempo para pensar, nem mesmo para falar. Quando me dou conta, estou rasgando o céu. Percorrendo a imensidão que separa o mundo dos homens do mundo das nuvens.
Percorro o trajeto, olhando para baixo. Sinto o vento tentar me impedir de chegar ao meu destino, mas ele nunca foi capaz disso. Vez ou outra consegue me tirar da trajetória, mas nunca me impedir. Afinal, somos muitas e sempre viajamos juntas.
Para alguns, trago a esperança e a purificação. Para outros, trago a desgraça e a inundação. Para alguns, venho para matar a sede; mas para outros venho para afogar e arrastar o que eles chamariam de ‘sonho’.
Não sou vilã, não tenho muita escolha. Quando me dou conta, já estou percorrendo minha curta vida. Ora arrasando lares, ora salvando vidas.
Mas o que ninguém pára para pensar, é que meu fim é trágico e minha vida termina no momento em que chego ao ponto mais profundo – na terra dos homens.

terça-feira, maio 17, 2011

Papel de pão

Não importa onde vai ser. Pode ser de pé no metro apertado, naquele empurra-empurra que só quem está no meio sabe o que é. Ou então, pode ser sentado, naquele pula-pula do ônibus que trafega pelas planas e límpidas ruas de São Paulo.
Você já imaginou a mais linda e romântica poesia, capaz de fazer seu coração bater acelerado e as lágrimas correrem de seus olhos? Talvez, tenha lido e sentido isso e não apenas imaginado. Mas então, imagine o autor no momento de sua criação. Ele pode ter escrito na mesa do jantar, ao lado de um prato de lasanha, derrubando molho na camisa e cuspindo queijo ralado enquanto fala. Sim, eu sei que isso não soa poético, mas pode ser verdade.
Pense naquela música que marcou o seu primeiro beijo. Ou então, a música tema que escolheu para seu casamento. Estaria o autor da música sóbrio quando a compôs? Não poderia ele estar drogado, cercado de seringas ou com pó no canto do nariz? Vai saber...
A questão é... o importante para um escritor e sua obra, não é o momento em que ela foi criada. Não importa o que o escritor está sentindo. O importante é: o que a obra dele vai proporcionar a você? O importante é: quão intensa será a sua leitura?
Não importa se escrevi isso num dia de chuva, de pé na cozinha ou deitado no meu quarto. Não faz diferença alguma se escrevi isso sentado na privada ou em papel de carta. Não importa a ocasião, o texto pode ser escrito até mesmo no papel de pão. Cabe a nós, escritores, proporcionar um texto que mexa com o seu leitor. Que mexa com você. E isso é o que nos faz continuar escrevendo; faça chuva, faça sol.

terça-feira, maio 10, 2011

Você me ouviu...

Há momentos em que não podemos tomar nossas próprias escolhas. Em certas vezes, precisamos fazer coisas que lamentamos e que nos fazem ficar com o peito apertado. Aquele dia estava chegando e nós dois sabíamos disso.
Os últimos dias foram estranhos, como se você me culpasse por aquilo que estava acontecendo, e eu... culpando a mim mesmo por ter acatado uma decisão que não foi a minha. Parecíamos dois inimigos, pouco nos falávamos. Desperdiçávamos momentos preciosos que poderíamos estar juntos.
A despedida foi fria, aquela mágoa não lhe permitia agir normalmente comigo. Um rápido abraço, um beijo no rosto e mal tive tempo de dizer algo e logo você já tinha se enfiado para dentro do carro. Eu disse: “Você vai ficar bem. Eu vou, mas eu vou voltar! Confie em mim!”.
Não sei se me ouviu.
Não foi difícil para eu imaginar o que aconteceria com você nesse meio tempo. Isolou-se do mundo e se afastou de tudo e todos. Passou a ser uma pessoa mais agressiva e de paciência curta, mesmo não sendo essa a sua característica. Na escola, as notas caiam na mesma intensidade em que as reclamações de excesso de violência com o seus colegas aumentava. Você estava a ponto de explodir.
Sempre foi um aluno exemplar, um garoto educado e um orgulho para mim. Eu sabia que ficaria bem, pois meu sangue corre dentro de você. Não importa quão grande seja a sua rebeldia, você ficaria bem.
Depois de três anos do dia em que parti, a aula de física, sua predileta, já não chamava mais a atenção. Sua cadeira, antes no meio da sala, era ocupada por outro aluno mais interessado; hoje você senta no fundo e quando não está dormindo, está distraído com qualquer outra coisa. Os professores chamavam sua atenção, mas você não dava a menor importância. Mas hoje, diante daquela chamada da professora, você pareceu ter despertado. Ela disse: “Miguel, preste atenção! Você vai ficar bem!”. Sua atenção passou a ser totalmente dedicada à professora, que permanecia séria. Você tirou os fones de ouvido, levantou-se da cadeira e ficou encarando aquela mulher. No instante seguinte, ao entrar pela porta eu completei a frase e repeti o que havia dito: “Eu vou, mas eu vou voltar! Confie em mim!”.
Não houve cadeira, mesa, colega ou professora que fossem capazes de te segurar. Você correu; derrubou cadernos, estojos, mesas de alguns amigos e por pouco não derrubou a própria professora. Você lançou-se sobre mim com os braços abertos e os olhos brilhando. O forte abraço não foi o bastante e os soluços do choro fizeram ouvir. Você já era um homem e eu não podia conter o orgulho de voltar para casa. Soluçávamos.
Por mais longe que eu estivesse, por mais difícil que fosse, não haveria nada nesse mundo que me impediria de cumprir uma promessa ao meu filho. Eu fui, mas fiz o impossível para poder voltar. Chorei como uma criança; você me ouviu...

terça-feira, maio 03, 2011

Base, chuva e vento

Você está caminhando pela estrada encharcada de insegurança e instabilidade. O vento chegou e trouxe com ele a forte tempestade que abala tudo aquilo que parecia estar firme e forte. Os pilares tremeram e a sólida base fraquejou. A água infiltra, o solo amolece e tudo pode vir ao chão.
Eu sigo meu caminho, seguro e estável. Minha base pode fraquejar, mas eu não cairei ao chão. Eu planejo meus passos e vejo além. A água desvia do meu caminho e o vento não chega nem mesmo a ruir na minha janela.
Vejo a tempestade caindo e você debaixo dela. Não irei oferecer-lhe abrigo, nem mesmo farei um único movimento para ajudá-la a ter uma base forte. Meu papel foi outro, mas como o passado não me deixa mentir... Ele foi! Não será mais!
Vou torcer por você, e espero que seja a mais firme construção que a humanidade já viu na vida. Mas terá que fazer isso por você mesmo, sem a ajuda de alguém. É assim que as coisas são, é assim que devem ser.
Não cheguei até o topo apertando o botão do elevador. E também não foi subindo uma longa escadaria que coloquei meus pés no andar mais alto. O caminho é longo e o suor se fundirá com suas lágrimas quando sua humilde e fraca base começar a rachar. Quando construir um sobrado, vai ver que não estava forte o bastante e o tremor das ruas jogará o seu teto ao chão. Vai lamentar muito quando o pequeno edifício de quatro andares se transformar em ruínas, ao notar que não estava forte o bastante para sustentar seu próprio peso. O vento é cruel!
É assim que se chega ao topo, caindo ao chão. É assim que se constrói... destruindo e pondo tudo ao chão. Foi assim que aprendi a formar a minha base, a calcular uma forma de sustentar minhas ousadas ambições. Foi assim que aprendi a vencer a chuva!
Enquanto isso, eu vou ficar aqui. Na cobertura da minha construção observando você chorar e lamentar a sua primeira queda. Não será a última, então trate de erguer essa cabeça. Aprenda com isso, aprenda a levantar, pois antes você estava em uma posição confortável – eu estava por perto. Mas agora, terá que aprender a seguir seu caminho com aquilo que pôde aprender quando estive por perto. Aprenda a se levantar, aprenda a cair. Mas não adianta aprender isso se não aprender a vencer a chuva e ao vento. Eles virão. Sempre virão.