segunda-feira, abril 11, 2011

Última mentira

- Eu estou bem!

Foi o que disse pra ela.


No instante seguinte eu já sentia o abraço dela ao redor do meu corpo. Tudo aconteceu tão rápido, que eu não me lembraria dos detalhes se fosse outra situação, além dessa a qual me encontro. Tudo o que eu queria era protegê-la e evitar que se assustasse.

Estávamos felizes e conversávamos sem nos preocupar com nada. Ela me dizia sobre o que tinha aprendido na escola, mas eu não prestava muito atenção no conteúdo de suas palavras, pois o brilho de seus olhos e a beleza de seu sorriso me distraiam. Ela estava feliz, e aquilo me importava mais do que qualquer outra coisa.

Não pude nem mesmo ver quando se aproximaram do carro. Não ouvi nenhuma palavra, só me dei conta do que acontecia quando seu sorriso se apagou. Ela não disse nada, mas a mudança repentina em seu rosto me fez olhar para o lado. A arma já invadia a janela do carro, e só então pude ouvir a ordem de descer. Não perdi a calma, alertei ao assaltante que ia tirar o sinto e que minha filha ia descer do carro. Mas tudo mudou. Uma única frase, composta por duas palavras, foram o bastante para fazer as coisas mudarem. “Ela, não!”, foi o que ele disse. Como poderia descer do carro e deixar minha filha? Como poderia abandoná-la? Meus olhos estavam fixos, olhando para frente, mas sem enxergar nada. As coisas mudavam dentro de mim e aquela dominante calma que sempre carrego, partia.

O assaltante notou que eu olhava para frente de maneira fixa e desviou seu olhar para ver para onde eu olhava. Foi aí que tudo mudou. Rapidamente eu segurei sua mão e acionei o fechamento do vidro. Seu braço foi prensado, mas ainda foi capaz de disparar umas três vezes antes de largar a arma. Ela gritou com o barulho dos tiros e com o vidro que se partia. Felizmente, não fomos atingidos.

Desarmado e com o braço ferido, o assaltante tentou correr. Mas eu não tinha mais a habitual calma de sempre e o persegui. Pulei sobre ele e o que se passou, não ficou claramente gravado em minha mente. Meus olhos estavam injetados, meus dentes e punhos estavam cerrados, e estes, desciam como martelo sobre ele. Não conseguia controlar meus braços, que espancavam violentamente o rosto do assaltante. O sangue espirrava, ora de seu rosto, ora de meus punhos cortados.

Se o tempo passou, eu não sei. Mas dado momento, eu já não estava mais sobre ele, mas de pé, diante de seu corpo inerte. Olhava para minhas mãos, sujas de sangue e só então pude ouvir sua voz atrás de mim.

- Papai!? Você está bem?

- Eu estou bem!

Foi o que disse pra ela.

No instante seguinte eu já sentia o abraço dela ao redor do meu corpo. E só então, que pude notar a dor em meu peito e a origem de tanto sangue. No calor da raiva, não notei que ele ainda tinha uma faca; nem mesmo pude ver esse detalhe. Não senti quando a lâmina fria perfurou meu peito em dois lugares. Mas mesmo assim, eu sorri. Mesmo tendo contado a minha última mentira para ela.

Eu não estava bem.

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