terça-feira, maio 10, 2011

Você me ouviu...

Há momentos em que não podemos tomar nossas próprias escolhas. Em certas vezes, precisamos fazer coisas que lamentamos e que nos fazem ficar com o peito apertado. Aquele dia estava chegando e nós dois sabíamos disso.
Os últimos dias foram estranhos, como se você me culpasse por aquilo que estava acontecendo, e eu... culpando a mim mesmo por ter acatado uma decisão que não foi a minha. Parecíamos dois inimigos, pouco nos falávamos. Desperdiçávamos momentos preciosos que poderíamos estar juntos.
A despedida foi fria, aquela mágoa não lhe permitia agir normalmente comigo. Um rápido abraço, um beijo no rosto e mal tive tempo de dizer algo e logo você já tinha se enfiado para dentro do carro. Eu disse: “Você vai ficar bem. Eu vou, mas eu vou voltar! Confie em mim!”.
Não sei se me ouviu.
Não foi difícil para eu imaginar o que aconteceria com você nesse meio tempo. Isolou-se do mundo e se afastou de tudo e todos. Passou a ser uma pessoa mais agressiva e de paciência curta, mesmo não sendo essa a sua característica. Na escola, as notas caiam na mesma intensidade em que as reclamações de excesso de violência com o seus colegas aumentava. Você estava a ponto de explodir.
Sempre foi um aluno exemplar, um garoto educado e um orgulho para mim. Eu sabia que ficaria bem, pois meu sangue corre dentro de você. Não importa quão grande seja a sua rebeldia, você ficaria bem.
Depois de três anos do dia em que parti, a aula de física, sua predileta, já não chamava mais a atenção. Sua cadeira, antes no meio da sala, era ocupada por outro aluno mais interessado; hoje você senta no fundo e quando não está dormindo, está distraído com qualquer outra coisa. Os professores chamavam sua atenção, mas você não dava a menor importância. Mas hoje, diante daquela chamada da professora, você pareceu ter despertado. Ela disse: “Miguel, preste atenção! Você vai ficar bem!”. Sua atenção passou a ser totalmente dedicada à professora, que permanecia séria. Você tirou os fones de ouvido, levantou-se da cadeira e ficou encarando aquela mulher. No instante seguinte, ao entrar pela porta eu completei a frase e repeti o que havia dito: “Eu vou, mas eu vou voltar! Confie em mim!”.
Não houve cadeira, mesa, colega ou professora que fossem capazes de te segurar. Você correu; derrubou cadernos, estojos, mesas de alguns amigos e por pouco não derrubou a própria professora. Você lançou-se sobre mim com os braços abertos e os olhos brilhando. O forte abraço não foi o bastante e os soluços do choro fizeram ouvir. Você já era um homem e eu não podia conter o orgulho de voltar para casa. Soluçávamos.
Por mais longe que eu estivesse, por mais difícil que fosse, não haveria nada nesse mundo que me impediria de cumprir uma promessa ao meu filho. Eu fui, mas fiz o impossível para poder voltar. Chorei como uma criança; você me ouviu...

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