terça-feira, janeiro 04, 2011

Pés descalços

Suas roupas eram imundas. Se é que aquele amontoado de trapo poderia ser chamado de roupa, pois mais pareciam retalhos juntados e grosseiramente costurados. As cores não combinavam e os tamanhos variavam, assim como o tipo de cada tecido. Mas é o mais próximo de uma roupa que ele tinha.
Os dentes, ou melhor, os poucos que sobraram, dariam um tremendo trabalho para um dentista, ou trariam uma grande fortuna àquele que fosse fazer-lhe uma prótese. Era lamentável, mas não dispunha de recursos para fazer sua higiene pessoal.
Talvez tenha dormido sobre um lugar chamado: casa; pois o seu lar era qualquer canto. Na hora que o sono batia, ele se preocupava com isso. O seu teto era a imensidão azul do céu.
Já não sentia fome, pois passava tanto tempo sem alimento no estômago, que seu corpo já estava acostumado a viver sem a comida. E quando encontrava algo, estava longe de ser uma refeição digna de um homem.
Sua pele era castigada pelo tempo e pela vida, não aparentava a idade que tinha. Seus recursos e inteligência disponíveis não são o suficiente para preencher um espaço na sociedade. Mas mesmo assim, ele estava lá... Existindo.
Naquele momento em que eu o vi, ele não estava roubando, nem mesmo matando. Não posso afirmar se ele fez ou deixou de fazer alguma dessas coisas. Ele estava sonhando, instantes antes de ser escorraçado pelo comerciante da loja.
Suas mãos faziam o formato de concha ao redor dos olhos para evitar o reflexo do vidro. Parecia um espantalho, tamanha era a sua aparência rústica e deplorável. Com o rosto colado no vidro da loja, ele sonhava. Alheio a qualquer outra coisa do mundo, até mesmo a um prato de comida, aquele homem sonhava.
Sonhava em ser reconhecido pelo mundo. Talvez, sonhava em recuperar parte da dignidade que lhe fora roubada ao longo dos anos. Acho que aquele homem buscava algo naquele momento e não era matar a fome, e nem mesmo melhorar a sua aparência. Hipnotizado pela vitrine de uma loja de sapatos, aquele homem descalço não queria nada além de voltar a ser aquilo que sempre foi... um homem.
Mas o instante passou e a vassoura desceu forte sobre seu corpo. O gesto brutal trouxe-me dos pensamentos, assim como trouxe aquele pobre homem à dura realidade em que ele se enquadrava: a de um animal.

Um comentário:

  1. Os homens em alguns casos são reduzidos a animais,um resultado da realidade não só brasileira como mundial.
    Esperamos muito um mundo melhor,em que pessoas possam ser definidas como seres humanos.
    Lindo texto!

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