terça-feira, julho 06, 2010

O mar

O menino de cinco anos escavava a areia há meia hora com suas mãos pequeninas enquanto seu pai lia um jornal sentado numa cadeira de plástico logo há uns dez metros do lado direito.
Filipe afundava seus dedos com força, a areia ficava cada vez mais dura. Queria fazer um lugar para que pudesse "construir" uma lagoa para os barquinhos de papel que seu papai faria.
Em dado momento suas unhas doeram. Era uma pedra com certeza. Ele voltou a enterrar seus dedos para retirá-la de seu caminho. Dessa vez suas unhas voltaram sujas de um vermelho vivo, ele já tinha visto isso antes. Filipe foi tirando a areia com mais cuidado para conseguir ao menos ver o que era aquilo. Primeiro viu algo que lembrava a ponta de um nariz e logo um nariz completo. Em instantes identificou um lábio superior, dentes superiores e não tardou para reconhecer o rosto de uma pessoa morta!
Era novo demais para notar que o sangue ainda estava fresco. O garoto se limitou a gritar e correr, mas para o lado oposto de onde estava o seu pai. No estado que estava, não conseguiu perceber esse detalhe, apenas correu. Limitando-se a olhar sobre o ombro para garantir de que o defunto não levantaria para correr atrás dele.
Pensou que correria em direção ao seu pai, mas estava se afastando cada vez mais. A corrida só foi interrompida quando trombou violentamente com alguém. 'Papai' - pensou.
- Quem é você? - Perguntou assustado ao outro garoto.
- Meu nome é Arthur, e quem é você?
- Filipe. Por que estava correndo?
O garoto abaixou a cabeça, e não quis dizer. Mas Filipe notou as mãos do outro garoto. Havia sangue nelas e sem dizer uma só palavra ele mostrou as suas.
- Você também encontrou um morto? - perguntou Arthur
- Sim! Estou com medo.
- Eu também.
- Vamos falar com meu pai? Ele vai nos ajudar.
Os dois garotos correram em direção ao guarda sol em que o pai de Filipe estava. Porém, ao chegarem lá notaram que ele não estava mais sentado na cadeira. Apenas o jornal aberto.
Arthur arregalou os olhos e os dois garotos chegaram à mesma conclusão. Retiraram a cadeira do lugar e puseram-se a cavar rapidamente. Logo a areia não estava mais fofa e seus dedos sentiram algo. Não demorou muito para encontrarem uma orelha. Continuaram cavando em volta, em busca do rosto. O rosto que Filipe rezava para não ser o deu seu pai. E não era.
Arthur puxou Filipe para a direita e após terem andado uns quatro metros, começaram a cavar novamente. Para a surpresa de ambos, acharam um pé. O pavor não mais corria em seus corpos, o que corria era a curiosidade e a intriga que nascia dentro deles.
A busca continuou por toda praia, e quando suas mãos já latejavam de tanto cavar, eles perceberam que não estavam na praia. Estavam em um mar, em um mar de corpos.

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