segunda-feira, janeiro 10, 2011

A menina


A menina ao ler no jornal que as pessoas devem abdicar do tempo que dedicam à internet e usá-lo para interação familiar começa a desconfiar dos jornais e da mídia como sendo veículos que transmitem informações mas não se preocupam muito em contextualizar o assunto e possibilitar a melhor interpretação para além dos fatos narrados. A manchete espalhafatosa ALIENAÇÃO CAUSA DEPRESSÃO E RECLUSÃO com esses ãos gigantescos e pesados provoca na menina uma pequena reflexão e a faz pensar que gostaria de perguntar ao jornalista o que ela, isto é, a menina, supostamente deve fazer quando se quer ter uma interação familiar mas não dá pois a família é uma família talvez horrorosa que a deixara de lado desde a infância. Não insurge nela, na menina, nenhum grito revolucionário contra a manipulação da mídia, pois ingressou recentemente e um tanto prematuramente na vida adulta mesmo mantendo certas imaturidades, mas sim um extremo incômodo, uma depressão, uma falta de perspectiva de vida, e no final a única eficácia da manchete de jornal é deixá-la mais pra baixo ainda. Se a interação familiar é melhor que a alienação causada pela internet, e ela, a menina, não pode interagir com a família pelo simples fato da família recusar a presença da filha e só deixá-la morar lá por questões legais e por um mui discutível e hipotético peso na consciência ao vislumbrar cenas imaginárias da filha sendo encontrada morta de fome e frio na sargeta perto da casa - então o que fazer? Como mostrar para a menina que há vida além do inferno cíclico familiar em que ela se encontra presa, que aprisiona ao redor de um eixo toda a sua existência. Ela tem que estudar mas não consegue pois a mãe a repreende e diz que estudar é idiota, ela tem que trabalhar mas não tem apoio nem sabe por onde começar, ela tem amigos mas que dizem clandestinamente que não adianta nada ela ficar chorando pois precisa fazer algo, mas essas palavras são vazias pois são só palavras que não trazem em si o real significado da prisão e do ambiente de extrema hostilidade em que ela cresceu e moldou seua mente e seus atos ao longo dos anos e enxergar fora dessas cercas só a afunda mais na depressão aparentemente infinita. Como apontar com o dedo uma saída que para nós parece tão simples e fácil como erguer um dedo e dizer faça isso vá pra lá que tudo vai ficar bem, sendo que esse “isso” e esse “lá” requerem uma quantidade inimaginável de coragem e força de vontade tais que a menina nunca antes aprendeu. Como apreender todo o significado de todos esses problemas em uma peça narrativa constituída de um grande parágrafo que tem como objetivo a tentativa de fazer a menina expandir sua mente e sua capacidade de ver e interpretar as coisas por si só através de um processo de identificação com uma personagem que foi construído de modo a ter os mesmos problemas que ela e cujo objetivo máximo é oferecer um vislumbre do problema todo e tentar criar uma epifania momentânea, um estalo, um clique fulgaz que será o primeiro e mais difícil passo para ela tentar andar sozinha?

Um comentário:

  1. Brilhante texto, xará!!! Não só pela "menina", mas pela forma de escrita... corrida, acelerada.... É de se dar uma epifania mesmo! rs!

    Parabéns!
    Abraço!

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