segunda-feira, março 01, 2010

Devora-me ou te decifro

Não via mais nada, não ouvia coisa alguma. As palavras da professora nada eram senão ruídos perdidos no vazio daquela sala. Ouvia somente o seu ranger do queixo, contorcer da boca. Ouvia também o salivar da língua, que me fazia pensar em dedos úmidos tamborilando entre pernas trêmulas.
A sala antes cheia era agora vazia e profunda, com as paredes opostas esticando-se num corredor gigantesco. Os alunos eram espectros assexuados. E pensei em como eles eram desatentos, e como ignoravam aquela figura que parecia dançar, nesse palco improvisado. A música ressoava por meus membros, e meus músculos e meu sangue enrijeciam-se.
Agora só precisava atentar em ambos os sentidos; direcionar o cérebro e as pernas para dançarina à frente. Ao seu rosto, especificamente. Vinha-me a mente, com urgência, que eu precisava imediatamente controlar o ímpeto que subia-me o corpo, tremia-me a espinha, agitava o sangue. Eu agora movimentava as pernas, inquietas, que tremulavam tentando inutilmente se sobreporem ao membro que ali nascia, filho do desejo.
Minhas mãos, como se tomadas por vida própria, ansiavam por acariciar sua mais nova cria. Eu suava frio, temendo que os espectros que tenebrosamente adornavam a sala notassem tão incontrolável agitação. Esses imbecís! Desprovidos de visão, julgavam ordinária a luz que ela emanava. Não sabiam aproveitá-la.

Os ruídos vindo daquele rosto eram ensurdecedores. Não restava-me alternativa, já era prisioneiro dos caprichos de seus olhares. Pois eu sabia que escondia por trás de suas expressões distantes de educadora, de seu olhar vago, de suas mãos bêbadas, sabia que por trás de todo esse teatro ela fitava-me e me dilacerava, a começar pelos olhos, seguido do peito inflado, minhas pernas epilépticas, e logo não era mais educadora. Logo, ela sabia de tudo. Sabia que eu a degradava, a lançava em todas as posições pelos cantos da sala, que a humilhava, e ela só sorria. Descobriu meus desejos mais depravados, fazia cara de quem finge que não gosta, mas delira de prazer. Não só sabia lidar com todas as minhas vergonhas e frustrações e medos como me livrava de todos eles, enquanto cedia às minhas mais doentias fantasias. O resto da sala assistia com inveja explodirmos ali mesmo. Ela vinha beijar-me a face, eu a empurrava, às vezes simulando violência, as vezes sem simulacão. Ela pegava meu rijo membro tenramente, eu abria sua boca com os dedos trêmulos e quando estava prestes a colocá-lo lá, eu empurrava brutalmente para dentro, sem esperá-la, sem controle, e com a mão nas costas de sua cabeça, eu controlava os movimentos de vai-e-vem que ela deveria fazer por si só. Ela engasgava, eu não ligava. Quando num lapso me vinha um sentimento de remorso em meu rosto, ela só fazia sorrir. Sim, ela entendia o jogo. E ela ainda desprezava as caras enojadas que todas as outras fizeram comigo em épocas anteriores, após egoistamente despejarem sobre mim seus líquidos em espasmos abafados.
Ela, agora, jogada num canto, suada. Ofegava levemente, seu corpo coberto por diversos fluídos. Humilhada, então pensei que estava prestes a gritar, a enojar-se. E antevi meu corpo antecipar-se numa defesa inconsciente. Mas ela somente sorriu. Levou as costas da mão à boca e eu, deitado, morto, sem força alguma, tive minha visão coberta por seu rosto. E ela tampou meus olhos e beijou-me na boca, no peito e por entre as pernas. Ainda com uma mão me acariciando e a outra sobre minhas pálpebras, sussurrou algo em meus ouvidos, mas tudo que senti foi a leve brisa de suas palavras, suaves, como se vindas da praia ao entardecer, e como tal deixou-me sonolento. Quando dei por mim, ela havia desaparecido, só restando a mulher que não fazia distinção entre os alunos.

Terei agora de viver em meio a esses espectros, essas conchas preenchidas somente por ar, a fitarem o palco feito bonecos sem sangue? A solidão nessa caverna é aterradora. À frente, a representar o papel de educadora, era como se eu assistisse a um um teatro macabro. Olha-se para a platéia e ela não existe. Somente eu em meio a um deserto de cadeiras vazias, a fitar o espetáculo, proferindo berros gulturais silenciosos, que ensurdeciam o mais surdo dos humanos – eu!
Não havia mais sinais ou brechas em sua face que eu pudesse desvendar.
Mas, tudo bem. Ela é meticulosa. Calculista.
Já havia me enganado antes.

Um comentário:

  1. Adorei!Principalpente a delicadeza das palavras,tornaram o texto ainda bonito,delicado e envolvente!
    bejocas

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