quarta-feira, março 17, 2010

Inexplicável

Não estava respirando o ar dos vivos. Me contorcia de dor em meio as sombras amareladas daquela enorme caverna. O calor das lavas parecia não me atingir diretamente. Era como se eu fizesse parte de tudo aquilo.

Ao redor, eu via fotografias em tons avermelhados. Meu passado desenhado com linhas infernais. Imagens distorcidas de alguém que um dia eu aparentava ser. As pessoas pareciam se mover em câmera lenta em volta de meus sonhos desfocados. Nuvens de poeira e pesadelos. Arrependimentos pairavam sobre uma linha tênue que dividia a razão e o auto compadecimento. Em vida nunca fui humano e não seria essa a minha forma real.

Em vida nunca fui ninguém. Apenas um resquício de uma fusão de cores em tons pastéis. Fui tinta em quadros abstratos, fui água suja em rios poluídos. Fui ventos devastadores em vilas desprotegidas. Fui gritos e sussurros de monstros humanos, estupradores e assassinos. Fui a voz dos malditos e os olhos dos pistoleiros.

Nunca sangrei meu próprio vermelho, mas derramei o viscoso líquido dos cadáveres apodrecidos. Nunca chorei minhas próprias lágrimas, mas solvi os horrores líquidos, transparentes e sofridos, das crianças indefesas. Filhos das guerras, filhos das catástrofes... Filhos de putas...

Não sonhei futuros. Não banhei meu corpo nas águas da esperança. Tomei a lama das piores faces. Matei velhos em seus profundos sonos. Me vesti de morte, sem nunca ter sido. Me vesti de anjo, nem nunca tê-los visto. Me vesti de demônio sem nunca respeitá-lo. Sou algo assim... Algo sem forma nem cabimento. Sem força nem discernimento.

No pior buraco do inferno eu me criei, mesmo não acreditando em sua existência. Voei aos céus para amadurecer minha solidão, sem ao menos enxergar a Deus.

Não estava respirando o ar dos vivos...

Nasci da loucura de um escritor. Morri nas mãos da razão e fui enterrado na total falta de sentido de um texto vomitado às escuras. Hoje, e somente hoje, vivi na sua leitura e na sua atenção.

Te vejo por aí.

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