Que visão sublime!
Foi num domingo sem sol, quando o céu era um manto branco
Cobrindo o mundo com uma alvidez de neve,
Que me pareceu que estava imerso, inerte,
Suspenso acima de toda inocência perdida.
E, não sei se foi o dia dos namorados,
Cuja véspera talvez despertasse antes,
Mas os casais, abraçados, riam pelas ruas,
Eles também brancos, protegendo um ao outro
Do frio cortante,
Sorrindo, e sorrindo, iam e vinham, aos montes.
Não sei se foi a melancolia dominical
Ou as farpas de minha alma
Ou mesmo a inveja declarada de meus olhos.
Pois eu vi um pai e uma filha
(ou assim me pareceram)
De 50 e 14 anos,
Dedos entrelaçados.
Ele, paletó e gravata
Ela, saia rodada, gótica, de rendinhas,
Tão magra, tão branca, tão pequena.
Era uma bailarina numa peça de balé
A deslizar sobre uma pista congelada
Um personagem anunciador, um corista exaltador,
Num cântico puramente corporal.
(eram os seus delicados gestos de mão e sorriso imaculado)
Bem, brincavam à maneira de pai e filha
…no começou assim julguei,
mas a brincadeira continuava.
E eles, abraçados, quase dançavam.
Os pequenos pezinhos dela
Sobre os duros sapatos marrons dele
Deixavam-se conduzir pela rua úmida
Ele a abraçava, e, como já disse,
Não sei se foi o dia dos namorados,
Mas, ah!, quanta intimidade.
Quanto amor, quanta ternura
E… ternura demais. Transbordava. Fui atingido.
Ela ria, seu rosto era um arquétipo da felicidade.
Ele… também! Mas, seu sorriso me parecia diferente.
No outro lado da rua, casais se aconchegavam.
E eu não via tanta ternura
Eu não via tanto amor,
Não havia tanta paixão
Como havia naqueles dois.
Ninguém dançava; pois o frio era demais.
Mas eles, ali, trocavam afagos e carícias tantas
Que, oh, minha mente, talvez machucada demais,
Quiçá mal acostumada, sempre antecipa a crueldade
Quando a felicidade chega em grandes quantidades.
Fui assaltado: renderam-me, roubaram a ternura que eu via,
Afanaram todo o amor, aqueles pensamentos que me vararam.
Vi, pois, o pai e a filha atravessarem a rua,
Se abraçando, brincando, dançando,
(seus dedos nunca desentrelaçados)
E os vi chegando em casa,
Abrindo a porta,
Sempre flutuando, sempre rindo,
Vi a mãe retirar-se pro quarto.
Vi o avô cochilar na poltrona,
E vi a brincadeira continuar em outros cômodos
Com outras luzes. Com outras cores.
Com outras temperaturas,
O inverno já se esvaindo,
A dar lugar ao calor dos trópicos,
Às fronteiras abafadas, quentes,
Relevos montanhosos, árduos,
E suculentos frutos tropicais.
A menina ria. O pai também.
De repente, ela aperta forte a mão dele.
Suas unhas cravam na pele austera.
No final,
Para ele, ela ainda ri.
Ou é ele quem ri.
Pois, e perdoem o plágio,
Tanto como ao gozo,
Meu Deus, como o riso se assemelha ao choro!
Postado originalmente em docevomito.blogspot.
segunda-feira, janeiro 11, 2010
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Magnífico! Aliás, gostei de quase tudo que li aqui, bons escritores e poetas, vou seguir e ler sempre! Parabéns aos autores!
ResponderExcluiresmaques pra todos
Mandou muito bem xará!!!
ResponderExcluirSurpreendente!!!
Sem muito oq dizer, brilhante mesmo!!
Parabéns!
Abraço,
£!
Do caralho! rsrs
ResponderExcluirDo caralho!
sem palavras e aqui feito uma babaca saciada depois de ler.
ps: do caralho! rs
Léo!!! Que isso? Gosto do que vc escreve.. mas este está no top! É, digamos, de provocar gastrite!!
ResponderExcluirÀs vezes a gente chora de alegria e ri de nervoso...
Às vezes a gente nem sabe o que é alegria ou nervoso...
E, às vezes, a alegria nos deixa nervoso... e vice-versa!!
Muito bom mesmo! Parabéns!