terça-feira, fevereiro 16, 2010

Elemento da Escuridão

(Esse texto, faz parte de um trabalho pessoal em andamento que se chama: Elementos da Escuridão - As crônicas do fim do mundo)

Seu cabelo era castanho escuro e podia ser facilmente confundido com preto. Um olhar atento afirmaria que era liso, porém estava tão sujo e desgrenhado que não passava tal impressão. Suas unhas tamborilavam impacientemente na mesa, enquanto sua outra mão fazia o repetitivo movimento de levar e buscar o cigarro dos lábios. A fumaça que baforava era roxa. Vestia um jeans e uma blusinha verde decotada, bastante casual, mas o suficiente para atrair olhares. Não estava procurando um namorado, mas uma boa noitada poderia ajudar a tirar a tensão do dia.
Um jovem de camisa azul não tirava os olhos dela. Sua gravata frouxa no pescoço mostrava que era um jovem promissor na carreira do empreendimento. Ou era isso, ou estaria usando roupas pretas e traços de quem usava e traficava drogas; as duas únicas formas de ser alguém bem sucedido, caso contrário, seria um ordinário qualquer como a maioria. Estava criando coragem, pois havia um outro cara que também demonstrava interesse na mulher e sua aparência não era das mais agradáveis. Não estava interessado em sair com um rasgo na barriga e nem um buraco no peito, daria alguns minutos para o concorrente. Se ele não agisse, o caminho estaria livre.
O tempo passou, foi generoso com o concorrente e seria mais ainda se uma briga na mesa ao lado não tivesse atraído mais atenção do mal encarado; a investida na jovem morena foi esquecida. Agora sim, o caminho estava realmente livre para o jovem engravatado, que se levantou, foi até a mesa dela e gesticulou para o barman trazer uma cerveja para os dois.
Ela olhou sem espanto para o rapaz da camisa azul, mas antes que qualquer palavra fosse dita teve que se curvar levando a mão em direção à boca para tossir. Já estava sendo acompanhada pela tosse há certo tempo. Convenceu-se a ir ao médico, mas se soubesse que ouviria um conselho que até mesmo seu pai seria capaz de dar, do tipo “se continuar fumando, vai morrer logo”, não teria gasto seu tempo e seu dinheiro. Enquanto tossia, o rapaz aguardava para começar uma conversa.
Entrou no bar sem ser visto. Vestia um terno cinza coberto de poeira, porém a camisa preta estava impecavelmente limpa. Assim como o jovem da camisa azul, sua gravata vermelha estava com um nó desleixado. Seus pés estavam descalços e por trás dos ombros um par de asas repousava. Seus olhos eram negros como a noite, mas ninguém podia vê-lo. Parou no meio do bar olhando para os lados e exibiu um triunfante sorriso. Passou a mão nos cabelos grisalhos que já estavam bagunçados e pensou: Como eu adoro o meu trabalho!
Sempre havia animação e agitação quando uma briga acontecia. Todos gostavam desse tipo de entretenimento. Porém quando uma briga qualquer terminava com morte, alguns se espantavam e se afastavam do ambiente. Para uns, lidar com a morte era coisa do cotidiano, mas para outros, nem sempre era agradável. Isso acontecia com os indefesos. Dessa vez, aquela briga que atraiu a atenção do cara mal encarado não terminou em morte, mas ele veio mesmo assim; esse tipo de morte chocava até aqueles que lidavam com ela – por apenas alguns minutos, mas chocava.
O rapaz começou a gritar por socorro, chamando por algum médico ou o mais próximo disso. O rosto da jovem morena estava roxo, mesma cor da fumaça de seu cigarro. Não adiantou bater em suas costas, dar-lhe água ou qualquer outra coisa. Sua garganta tinha se fechado e não abriria mais.
Alguns segundos depois Thanatos saiu arrastando a jovem fumante pelo braço. Ele transpassou a parede do bar com ela, deixando para trás um bando de pessoas que se amontoavam ao redor do corpo sem vida da garota que estava prestes a ser conquistada pelo jovem de camisa azul.

Um comentário:

  1. Ótimo texto, um pouco assustador rsrs...
    Aparentemente o trabalho será legal.
    Beijos

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